Por Eber Freitas, Revista Administradores
"(...) Voltou a focalizar os anúncios do lado oposto da rua. Tinha as suas razões particulares para odiá-los. Mecanicamente, releu os slogans. 'Borgonha Kangaroo - o vinho para os britânicos', 'A asma a estava sufocando!', 'O Molho Q.T conserva o sorriso do marido', 'Passe o dia inteiro com um tablete de Vitamalt', 'Curve Cut - O cigarro dos esportistas'".
O trecho do livro "Keep the Aspidistra Flying", do britânico Eric Arthur Blair*, demonstra como a persuasão era trabalhada no marketing nos idos anos de 1936. A "sensualidade" expressa no terceiro slogan representa o papel da mulher numa sociedade patriarcal e como os fatores sociais, culturais e antropológicos impactaram a produção publicitária de um recorte histórico – sobretudo quando estamos falando de apelo sexual nos anúncios.
"O uso do sexo na propaganda não é recente. Isso porque a utilização de tal apelo pelos publicitários pode ser considerado como um reflexo, um espelho da vida na sociedade. Neste contexto, o corpo foi transformado em um dos principais símbolos e objetos vendáveis e cultuáveis do mundo capitalista", afirma Martin Petroll, doutor e autor de pesquisas na área de Marketing e Propaganda.
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A publicitária Suzane Barros, sócia-diretora da Agência Dádiva, acredita que esse tipo de apelo é inevitável quando o serviço oferecido pelo cliente exige uma dose de erotismo, como é o caso de motéis. "Cabe aos órgãos responsáveis fiscalizar os meios de comunicação para que a propaganda não seja veiculada em horários impróprios", disse. Mesmo sem atender a empresas cujo serviço demande esse tipo de recurso, ela explica que sempre é recomendável ao publicitário buscar soluções criativas, que evitem a utilização do sexo como ferramenta de marketing.
Mas o que é suficiente para caracterizar o apelo sexual em uma determinada propaganda ou ação de marketing? Apenas a nudez, a mais singela insinuação de sedução, ou também a ideia de que o uso daquele produto ou serviço irá culminar, cedo ou tarde, em uma relação sexual? Citando o estudioso Tom Reichert, autor da pesquisa "Sex in Advertising", Petroll afirma que a nudez é apenas uma das cinco formas de manifestação sexual nas propagandas realizadas pelas empresas.
A representação dos gêneros
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Até hoje, em propagandas de determinados produtos, a mulher é mostrada por um viés de objeto, passivo, enquanto o homem é o sujeito, ativo no ato da conquista e da consumação, tal qual nos anos 1950. Para Petroll, "as propagandas brasileiras não costumam mostrar o homem como objeto de desejo no jogo da sedução, mas sim como conquistador, concomitante ao que a sociedade considera como comportamento sexual apropriado do homem e da mulher".
Porém, pode-se notar, cada vez mais, um papel ativo da mulher nas propagandas contemporâneas – e não apenas em publicidade de produtos de limpeza ou para o uso no lar, como costumeiramente se apregoa. Isso se deve, principalmente, aos movimentos de emancipação do sexo feminino, que tiveram início no começo do século passado, mas que receberam ampla adesão e participação de outros segmentos da sociedade a partir dos anos 1970.
"Nos últimos tempos, auxiliadas pela revolução sexual, houve uma mudança considerável no comportamento das mulheres, que – de esposas, mães, românticas, sonhadoras, passivas, doces e sensíveis – passaram a ter um comportamento mais ativo na sociedade por meio, principalmente, da inserção de sua força de trabalho no mercado. O homem também teve de mudar a sua postura, tanto em relação ao papel da mulher como em relação ao seu próprio papel dentro desse novo contexto", explica o pesquisador. Apesar desses fatores, ele complementa que a sociedade ainda atribui as velhas representações ao homem e à mulher.
Formas de manifestação sexual na propaganda
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A nudez em si, a exploração do corpo humano e da sensualidade como finalidade do produto ou serviço anunciado; sua transformação em símbolo de culto e comércio.
2. Comportamento sexual
Consiste na interação entre os modelos nas propagandas, a insinuação, a provocação, o flerte. É a utilização mais frequente e mais apelativa.
3. Fatores contextuais
São aspectos não inerentes aos modelos em si, mas às situações e locais ou, até mesmo, às técnicas de produção, como o movimento das câmeras.
4. Referências sexuais
Sugere ou insinua o sexo através de formas verbais e/ou visuais, com mensagens de duplo sentido. Petroll destaca que "um exemplo clássico de referências sexuais numa propaganda data dos anos 1980, quando a Calvin Klein veiculou a uma campanha da então desconhecida modelo Brooke Shields vestindo jeans com a seguinte pergunta: 'Você quer saber o que existe entre mim e a minha Calvin? Nada!'. O impacto da frase de duplo sentido foi enorme, graças também a alguns fatores contextuais, como o movimento da câmera, que trilhava o corpo da modelo verticalmente, bem devagar.
Campanha da cerveja Devassa/Imagem: divulgação |
5. Formas subliminares
Explora o inconsciente do usuário, implantando mensagens visuais que lembram partes íntimas do corpo de forma imperceptível a olho nu. "Esse reconhecimento inconsciente é sexualmente provocativo e motivante, apesar de o indivíduo muitas vezes não estar consciente das associações sexuais do objeto e dos conteúdos simbólicos", explica.
Cases
(Anos 1950)
O homem de meia-idade, charmoso e sedutor, que atrai olhares inocentes das garotas, que ficam enrubescidas. O sexo masculino tem papel ativo e extremamente dominante na relação, enquanto a mulher é a feliz dona de casa, são fatores que ressaltam a ordem moral pretendida pela sociedade nos anos 1950 – sobretudo, pelas classes mais elevadas.
(Anos 1960)
A liberdade sexual e a pressão crescente do feminismo forçam a sociedade a atribuir à mulher um papel cada vez mais protagonista, pelo menos em alguns aspectos, como se percebe na propaganda do higienizador íntimo Tasmin. Há uma ligeira insinuação, quase despercebida, que relaciona o produto ao órgão genital. O papel dominante do sexo masculino ainda é facilmente perceptível.
Imagem: divulgação | ||||
Os fabricantes de calças jeans aproveitam o período de liberação sexual e rompimento dos velhos paradigmas para ousar na propaganda dos seus produtos. E haja ousadia.
(Anos 1980)
A memorável propaganda do sutiã Valisère é um marco da publicidade tupiniquim. O corpo feminino não é mais apenas um objeto de desejo, e sim um organismo com necessidades e vontades particulares, algumas (ou muitas) das quais não podem ser supridas pelo homem. Os norte-americanos suspiram com a então jovem atriz Brooke Shields no marcante comercial da Calvin Klein.
(Anos 1990)
Um copo de cerveja na mão é garantia de mulher na cama, certo? Para os publicitários e fabricantes de cerveja, sim. Pelo menos até o Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) bater em cima, em 2007. Desde 1997, a Skol utilizava o slogan "a cerveja que desce redondo" associado ao corpo feminino como fonte de prazer e luxúria. As mulheres, obviamente, nunca gostaram disso.
Mulheres sensuais e motos possantes: uma combinação que não falha nunca em campanhas para máquinas de duas rodas. Em 2008, a modelo norte-americana Marisa Miller protagonizou uma ação para a Harley Davidson, na qual suas curvas se confundem com as da poderosa V-Rod Muscle.
Para não cair no clichê da sensualidade nas propagandas de cerveja, a marca Devassa fez uma ação criativa e viral: usou a imagem da cantora Sandy, conhecida pela fama de boa moça, com a chamada "todo mundo tem um lado devassa", explorando o contraste entre o puro e o profano. A ação foi um sucesso nas redes sociais e a campanha permaneceu por vários dias entre os temas mais comentados no Brasil.
Propagandas de perfumes, loções, hidratantes ou desodorantes normalmente têm como objetivo atiçar os sentidos do usuário, provocando-o com uma dose variável de erotismo. A divulgação do Axe Excite foi mais além e atribuiu uma masculinidade tão inconteste ao consumidor que até o mais raquítico dos homens torna-se um garanhão. A mesma marca já fez uma campanha semelhante: lembram do elevador?
* As versões brasileiras foram publicadas com dois títulos: "Mantenha o Sistema" (editora Hemus) e "Moinhos de Vento" (editora Nova Fronteira). Blair é mais conhecido pelo seu pseudônimo, George Orwell.