Nunca se falou tanto em bullying. Mas a prática de agredir alguém (verbal, física ou psicologicamente) não é comum somente nas escolas. Gente que há muito tempo passou dessa fase usa esse artifício para neutralizar o desempenho e autoestima de colegas no meio corporativo. São profissionais que costumam ter atitudes nada louváveis e incompatíveis com seu currículo, como isolar um colega, zombar de alguma característica, inventar fofocas, boicotar em reuniões ou ridicularizá-lo por sua orientação sexual, política ou religiosa.É óbvio que pessoas que passam tantas horas por dia em uma mesma empresa tendem a desenvolver vínculos que, uma vez ou outra, acabam descambando para o gracejo ou a gozação explícita. No caso do work place bullying (sim, a prática já ganhou nome próprio), porém, as piadas são feitas com o objetivo de ferir a autoconfiança alheia ou se exibir para o resto da equipe. “Aspectos intelectuais nem sempre estão ligados ao desenvolvimento emocional. Alguém competente pode ter um padrão de comportamento imaturo e ser inseguro”, comenta Dulce Helena Cabral Hatzenberger, coordenadora do Departamento de Psicologia do Trabalho da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
Para a psicóloga Dorit W. Verea, diretora da Clínica Prisma – Centro de Prevenção e Tratamento em Saúde Emocional, de São Paulo, algumas pessoas não amadurecem, só envelhecem. “A maturidade nos traz a consciência de que ninguém é melhor do que ninguém em absoluto. Geralmente, as pessoas que praticam o bullying adulto depositam suas forças quando têm receio pelos êxitos dos demais. Há um sentimento de irritação, de rancor, em relação ao sucesso que o outro possa ter”, pondera.
Segundo a opinião de Dorit, o agressor seria, portanto, um invejoso ressentido com baixa autoestima. “Esse agressor tem claras as suas limitações. Está consciente do perigo constante a que está submetido em sua carreira. É o conhecimento de sua própria realidade o que o leva a destroçar as carreiras de outras pessoas. Pode-se somar o medo de perder privilégios e esta ambição empurra a eliminar obstáculos”, afirma.
Marcia Bandini, diretora da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), diz que existem muitas explicações para casos assim. "Em alguns, a pessoa pratica o bullying simplesmente porque tem a oportunidade de fazê-lo. Mais frequentemente, esse tipo de comportamento é uma tentativa de se promover em cima do outro. São técnicas que podem funcionar por algum tempo, mas nunca perduram em bons ambientes profissionais”, afirma.
O problema levanta duas questões importantes. Quem pratica bullying na idade adulta fez o mesmo quando criança? Ou foi alvo e quer sublimar a baixa autoestima? De acordo com os especialistas, a relação pode existir, mas não devemos generalizar. É claro que existe uma tendência de que as pessoas repitam comportamentos. Só que isso não é regra. "Muitas pessoas que sofreram bullying na infância conseguiram superar os sentimentos negativos. Isso evita que o bullying seja repetido na idade adulta”, esclarece Marcia Bandini.
Já George Barbosa, presidente da Sociedade Brasileira de Resiliência (Sobrare), acredita que essa não é uma relação de causa e efeito. “Eu acredito que duas situações se encontram: um ambiente com uma ética duvidosa e uma pessoa com fracas convicções sobre seus valores. O resultado é a contaminação e a pessoa aderir ao comportamento da empresa”, diz.
Vire a mesa
Mas se na escola as crianças vítimas de bullying podem –quando têm coragem– contar com o apoio de pais e professores, a quem recorrer para lidar melhor com a intimidação ou a zombaria incômoda no trabalho? A psicóloga com abordagem cognitiva Vivian Behar, de São Paulo, dá o clássico exemplo da competitividade em reuniões para sugerir o que fazer.
“Nas reuniões importantes o clima costuma ser de salve-se quem puder. Cada um que queira subir de cargo numa empresa tem de se defender sozinho e não esperar passivamente que outro lhe dê passagem. Quem se vê como vítima de bullying numa situação dessas deve avaliar se é a primeira vez que se sente assim, e, nesse caso, falar com a pessoa que o maltrata.
A psicóloga salienta que é sempre importante que um adulto se posicione sem medo, seja com suas ideias profissionais, seu credo, raça, sexo... “Isso depende mais da sua autoconfiança, da disposição de perder um emprego, amigo, time e buscar novos lugares. Crianças dependem dos pais para implementar mudanças em suas vidas. Adultos, não. Adultos podem lutar por seus espaços”, avisa.
Também há quem tenha muita dificuldade de lidar com o que é diferente, o que faz com que o bullying adulto navegue nas águas turvas do preconceito. Há pessoas que sentem-se mais confortáveis entre iguais porque não são desafiadas ou confrontadas em suas crenças e comportamentos. As empresas, na visão dos experts, devem trabalhar no sentido de que a diferença seja vista como algo que desperte o interesse, em vez de temor.
Para Dorit, as corporações precisam ter consciência de que bullying no trabalho é um problema sério e recorrente. “O bullying é mais do que um ataque ocasional de raiva ou briga. É uma intimidação regular e persistente. E é frequentemente aceita ou mesmo encorajada como parte da cultura de muitas organizações.”
Dorit diz que é importante investir no relacionamento entre os colaboradores (inclusive fora do horário de trabalho). Estabelecer um código de conduta a ser seguido por todos, conversar com as partes envolvidas separadamente e em conjunto e criar um canal para que o funcionário possa denunciar o fato. No plano individual, cada um deve trabalhar para que exista um clima saudável na empresa e se esforçar para, no mínimo, aprender a lidar com as diferenças.
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