A semana começou com uma saia justa para a fabricante de calçados Arezzo. O desabafo da consumidora recifense Cynthia Cabral, cuja palmilha de uma sandália da marca descolou, evidenciando a presença, por baixo dela, do logotipo de outra empresa, Via Uno, viralizou no Facebook, ultrapassando os 100 mil compartilhamentos em poucos dias. Em seu relato, a cliente conta que chegou a buscar a loja onde o produto foi adquirido, mas conseguiu apenas uma promessa de reembolso e não a devolução imediata do dinheiro, o que a fez recorrer às redes sociais.
O episódio não mostra necessariamente uma falha no atendimento, já que a vendedora, provavelmente, respeitou procedimentos internos, que preveem análise de peças com defeito antes do reembolso, realizado por depósito bancário. Mas o caso demonstra certamente que fórmulas do passado já não funcionam como em outros tempos. O empoderamento do consumidor pela internet vem forçando companhias, especialmente as de bem de consumo, a mudarem o script. O atendimento ao consumidor está se tornando a cada dia mais complexo.
Hoje, existe uma multiplicidade de canais pelos quais as pessoas podem entrar em contato com uma companhia, enquanto, há cerca de apenas duas décadas, eles não passavam de um número de telefone e uma caixa postal para envio da resposta. “A Lei de Proteção ao Consumidor diz que as marcas têm até cinco dias para tratar de uma reclamação, mas, nas redes sociais, esse período é suficiente para gerar um impacto enorme na reputação delas, o que faz com que o SLA (service level agreement ou acordo de nível de serviço) seja diferente”, ressalta Leandro Nazareth Souto, Gerente de Portfólio BPO na Algar Tech, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Pedido de retirada de post do arDe fato, bastaram cinco dias no ar para o post de Cynthia tomar proporções potencialmente danosas para a fabricante. Na manhã desta quarta-feira, no entanto, a reclamação já não estava visível para os usuários em geral - ou foi apagada ou teve as configurações de privacidade alteradas. Um dia antes, a Arezzo havia se posicionado em nota oficial, reconhecendo o erro e informando que já trabalhava para corrigi-lo na produção e eliminar eventuais novas falhas. Reafirmou ainda “o compromisso com a autenticidade de seus produtos”.
A retirada do post das redes sociais pode ter sido um pedido da própria marca, após a solução do problema. “O ideal é enviar uma mensagem privada para o usuário e dizer qual é o prazo para a solução. A personalização do atendimento é considerada, em geral, como uma demonstração de que a empresa se importa com o cliente e que existe uma pessoa cuidando do caso. Após a solução do problema, a marca deve pedir para que o post seja retirado do ar, porque, se dentro de um ano alguém o comentar ou compartilhar o texto, ele voltará à tona no feed dos internautas”, ressalta Souto.
Enquanto no SAC 1.0 as resoluções dos conflitos eram realizadas por telefone ou carta, no SAC 2.0 as redes sociais ganharam destaque - inicialmente com as comunidades do Orkut. Hoje, o mercado já vive a terceira geração do atendimento, que ganha ainda mais agilidade ao ir parar nos aplicativos para smartphone. Seja por softwares próprios ou pelo WhatsApp, canal que vem se tornando cada vez mais popular, o setor não pode ignorar a demanda ainda maior por mobilidade. Os bancos fazem parte da categoria que mais avançou nesse quesito, como mostrou um levantamento feito pela Algar Tech.
Diferentes padrões por canalDiante desse novo cenário, as empresas se deparam com uma difícil decisão: a de adotar diferentes SLAs para cada canal, correndo o risco de levar a uma migração dos clientes para aqueles mais ágeis - em geral os digitais. “É possível manter o prazo padrão, mas também adotar outra dinâmica na web, assumindo o tempo de 48 horas para a resolução, em vez dos cinco dias exigidos pela legislação. Essa opção demanda a criação de uma equipe diferenciada, que não mede esforços para cortar filas nos processos, buscar alternativas e autorizações mais rapidamente”, destaca Souto.
A
Coca-Cola, que protagonizou o escândalo do rato na garrafa e depois comprovou que tudo não passou de mentira de um consumidor, prefere não priorizar o atendimento digital. O objetivo de garantir prazos e qualidade equânimes independente da forma como a reclamação é passada busca não sobrecarregar nenhuma de suas equipes. O time de 20 pessoas que cuida das redes sociais da companhia são terceirizados.
Os resultados do trabalho é avaliado como positivo pela companhia. “Independente do canal, tratamos as questões por assunto. O cliente não vai ser atendido mais rápido porque entrou pelas redes sociais. Se fizermos isso, empurramos todos para lá. Quando não preciso dos dados pessoais do usuário, procuro atendê-lo por ali mesmo. Em caso contrário, direciono-o para outro canal, como o 0800. Seguimos critérios de privacidade com os dados do consumidor. Para trocar um produto, por exemplo, precisaremos do endereço dele, o que nos faz direciona-lo para o meio mais apropriado”, explica Elisabeth Almeida, Consumer Relationship Senior Manager da Coca-Cola, que participou do café da manhã do Instituto Brasileiro de Hospitalidade Empresarial (IBHE) com o tema Pesquisa de Satisfação: a influência do atendimento na experiência do consumidor com a marca.
Vantagens da migração de canal
Estimular que os contatos sejam feitos pelos canais virtuais, por outro lado, é considerado interessante por outras empresas. “Não é de todo ruim migrar o volume para as redes sociais ou o chat. O poder de tratar uma reclamação já escrita é maior do que a narrado por voz, que é menos objetiva e costuma ser mais exaltada. Ao telefone, o atendente também só pode responder a um cliente por vez, enquanto, na internet, ele consegue manter o diálogo com um número maior de pessoas simultaneamente”, afirma o Gerente da Algar Tech.
Para garantir a qualidade e a agilidade da resolução de problemas e solicitações independente do canal, a Coca-Cola buscou certificar seu serviço de atendimento ao consumidor seguindo os padrões internacionais da COPC (Customer Operations Performance Center). Os operadores contam com um sistema de CRM o mais automatizado possível, de modo a evitar que dados dos consumidores sejam pedidos mais de uma vez, de forma desnecessária. Existem ainda diversos modos de avaliar a qualidade do atendimento, desde pesquisa após o contato telefônico, até a monitoria das ligações.
O objetivo é evitar distorções nos resultados. Neste momento, a equipe da área subiu das 82 pessoas fixas - fora as 20 das redes sociais - para 155, contando temporários convocados para suprir a demanda gerada pela promoção Minigarrafinhas da Galera. “Neste período, as avaliações negativas dos atendimentos crescem muito, mas não é por causa da informação prestada pelo profissional e por conta dos processos, mas porque os consumidores estão insatisfeitos por não terem encontrado seu nome. Não poderia haver confusão quanto a isso”, destaca Elisabeth.
Big Data do atendimento
Existe hoje o desafio de conseguir reunir as informações geradas nos diversos canais e cruzá-las, de modo a permitir a compreensão dos resultados e dos fatores que alavancam a satisfação e a insatisfação do consumidor. Os dados devem ser usados para melhorar processos e calibrar o sistema e os scripts usados nos atendimento. “É preciso olhar os dados de forma cruzada, porque, na pesquisa, o cliente pode apontar um problema, quando na realidade a questão é outra”, pondera a executiva da Coca-Cola.
Os processos e os roteiros das respostas também precisam estar cada vez menos engessados e ser mais fluidos, já que o consumidor atual já não fica satisfeito apenas com respostas mecânicas. É fundamental se adequar à linguagem e ao tempo das pessoas, ao mesmo tempo em que é preciso ter consistência no atendimento, de modo que os operadores ofereçam respostas similares para pedidos parecidos. Os profissionais que atuam com certa autonomia, entretanto, costumam se sair melhores.
A TAM busca engajar os atendentes - que conta com um grupo de terceirizados - para que eles se sintam parte da equipe e estejam mais comprometidos com os resultados. “Existe diferença na qualidade do serviço por turno, por célula. O problema, geralmente, está mais na gestão de pessoas do que na falta de conhecimento do operador. Após o atendimento, existe uma avaliação e os clientes que apontam problemas são contatados para que possamos entender nos detalhes o motivo da insatisfação”, afirma Rafael Aranha Borges, Gerente de Qualidade de Serviços da TAM, que também palestrou no café da manhã do IBHE.
Não há mais como ignorar os canais online
A companhia aposta fortemente nas redes sociais, trabalho no qual conquistou recentemente o Prêmio Socialbakers de engajamento com o cliente. “Quanto mais engajamos, mais o passageiro interage, tanto com comentários neutros, quanto bons e ruins. Nestes momentos, é fundamental entender o que os clientes elogiam e gerar planos de ação”, destaca Rafael.
O importante para o sucesso das empresas é não ter medo de diversificar os canais. Não adianta a marca não incluir uma presença oficial nas redes sociais, porque ela já está lá, na “boca” dos clientes. “Não se pode ter medo do novo contact center, porque a internet e a mobilidade estarão cada vez mais presentes. Crie perfis e trate o cliente de forma personalizada. Busque profissionais seniores e especializados para essa área. Veteranos que escrevem bem e de forma objetiva, porque não há espaço para informações incorretas”, conclui o executivo da Algar Tech.