Apostando em nichos e diferenciais
competitivos, negócios como o refrigerante Mineirinho e a fabricante de
equipamentos Confiance Medical conquistam sua fatia de mercado
Por Renata Leite, do Mundo do Marketing | 23/07/2014
renata.leite@mundodomarketing.com.br
Os setores dominados por gigantes multinacionais costumam ser terrenos
hostis para pequenas e médias empresas, a ponto de muitos empreendedores
nem se arriscarem a se posicionarem como concorrentes neste cenário.
Há, entretanto, aqueles que não se intimidam com a competição acirrada
ao verem uma oportunidade e conseguem alcançar bons resultados,
apostando em nichos e diferenciais estratégicos.
Os desafios, nesses casos, são tão grandes quanto os rivais, mas
histórias de empresas como a Niely, de cosméticos, demonstram que é
possível não ser esmagado e, mais do que isso, passar a competir de
igual para igual. A fabricante de produtos para cabelos foi fundada em
1981 em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense (RJ), e conseguiu superar as
multinacionais L’Oréal e P&G, tornando-se líder em vendas com a
coloração creme Cor&Ton por quatro anos consecutivos, de setembro de
2008 a novembro de 2012, segundo dados da Nielsen.
A fórmula do sucesso da empresa
foi apostar num nicho até então desassistido e com muita demanda: o de
baixa renda. O fundador da Niely notou que os cabelos crespos exigiam
mais tratamento e tinham poucos produtos disponíveis. A experiência de
Daniel de Jesus, fundador da marca, mostra que encontrar uma lacuna no
mercado pode apontar para um caminho de longevidade, mesmo em um setor
extremamente competitivo.
Turbulências no princípio
Enquanto nos cosméticos a fabricante reparou no desprezo de empresas
pela classe C – décadas antes da ascensão dela –, a Confiance Medical
vislumbrou uma oportunidade nas falhas do atendimento pós-venda no
mercado de equipamentos hospitalares. A entrada do empreendimento num
setor marcado por tecnologia de ponta, alta preocupação com segurança e
investimentos consideráveis não foi fácil. “Se colocarmos a razão na
frente, podemos pensar que foi maluquice, coisa de jovem. Tínhamos entre
24 e 26 anos e até subestimamos as dificuldades. Em 2010, quase
quebramos”, reconhece Guarany Guimarães, Diretor Comercial e um dos
fundadores da Medical Center, em entrevista ao Mundo do Marketing.
O negócio foi aberto em 2002. Os principais percalços enfrentados no
princípio, no entanto, não estavam relacionados à qualidade do serviço e
do produto comercializados pela novata, mas sim com a lentidão dos
órgãos públicos brasileiros. O processo de abertura de uma fabricante de
equipamentos médicos é muito rígido, exige auditorias e certificações
diversas. O tempo planejado para o início das operações acabou não sendo
cumprido, gerando prejuízos. As dificuldades, no entanto, acabaram
superadas, e o empreendimento deslanchou.
O setor de atuação da Confiance Medical é ocupado por empresas
multinacionais, com sede em outros países e estruturas gigantescas, o
que torna difícil o atendimento técnico ao longo do tempo de uso dos
produtos. De olho nessa questão, os sócios começaram abrindo outra
empresa, voltada apenas para realizar assistência aos proprietários
desses equipamentos, evitando que os clientes tivessem que mandar os
itens para o exterior sempre que houvesse algum problema. Este primeiro
momento foi importante para que os empreendedores se tornassem conhecido
pelos hospitais, especialmente os do Rio, e ganhassem a confiança do
mercado.
Aposta em diferenciais
Além da qualidade do serviço, os sócios focaram na agilidade e na
comodidade oferecida ao cliente. “Até hoje, sempre que vamos realizar um
reparo, se o equipamento precisará ficar por mais de quatro dias
conosco, disponibilizamos outro, em sistema de empréstimo, para
substituí-lo enquanto realizamos o conserto. Priorizamos oferecer uma
solução local, ágil e mais transparente. Enquanto atuamos como
assistência técnica, percebemos que as multinacionais só entregavam o
produto e não garantiam o serviço. Vislumbramos, também, a possibilidade
de trabalharmos com preços mais competitivos. Um dos sócios tem know
how para o desenvolvimento das máquinas e por isso decidimos então
ampliar nosso foco”, conta Guarany Guimarães.
As adaptações necessárias a partir daí foram muito maiores do que eles
imaginaram inicialmente. Os sócios saíram de uma sala de 35 metros
quadrados, na Barra da Tijuca, para um sobrado de 400 metros quadrados
no Estácio. Isso foi necessário diante das exigências da legislação.
Entre as regras, está a necessidade de insumos entrarem e saírem por
portas distintas. Outro desafio era atrair bons funcionários. Para isso,
a empresa apresentava, antes de qualquer remuneração, um sonho, que
caso fosse alcançado teria os resultados compartilhados por todos. No
ano passado, 43 colaboradores levaram a Confiance Medical a registrar o
faturamento de R$ 11 milhões. A meta para 2014 é de chegar a R$ 16
milhões.
Após conquistarem a confiança dos clientes no mercado do Rio de
Janeiro, a empresa agora começa a levar seus equipamentos e serviços
para São Paulo. “Ganhar credibilidade, num setor em que ela é
indispensável, é uma luta diária. Para isso, promovemos a experimentação
do produto pelo cliente e buscamos conquistar especialmente os
formadores de opinião no mercado, para que eles sirvam de vitrine”,
explica Guarany Guimarães, cujo número de celular está disponível no
site da empresa para contato imediato pelos clientes.
Resposta das gigantes
Um trabalho bem feito gera reflexos até nas gigantes. As fabricantes
multinacionais de equipamentos médicos já começam, aos poucos, a
melhorar seus serviços, num movimento que indica uma tentativa de ocupar
as lacunas deixadas ao longo de décadas. “O pequeno tem a vantagem de
ser mais flexível. Os grandes estão se movendo, mas acabam sendo muito
lentos. É um pouco de pretensão dizer que somos nós que estamos
motivando a redução de preços praticados pelos concorrentes e o
remanejamento de equipes neles, mas acredito que isso seja uma resposta a
um fenômeno mundial. Em toda parte estão pipocando empresas de pequeno
porte que notaram as mesmas oportunidades que nós”, ressalta o Diretor
Comercial.
Em muitos casos, as gigantes optam até por adquirirem os concorrentes
menores, para evitar a disputa. A Medical Center não descarta a
possibilidade de se fundir a outra companhia, desde que haja
complementaridade entre elas. Há a possibilidade até de ocorrer o
processo inverso e a empresa sair em busca de outros negócios para
ampliar seu alcance. “Só não aceitamos vender para a empresa ser
fechada”, afirma Guarany Guimarães.
As aquisições de empreendimentos menores que disputam com gigantes são
comuns. O Guaraná Jesus, muito consumido no Nordeste do país, é um
exemplo. A marca de refrigerante foi criada em 1927, num laboratório
pequeno em São Luís, pelo farmacêutico Jesus Norberto Gomes e acabou se
tornando um dos símbolos culturais do Maranhão. Em 1980, o fundador
vendeu a empresa para a Companhia Maranhense de Refrigerantes e, em
2001, ela passou a fazer parte do portfólio da Coca-Cola. Outro
concorrente regional no mesmo setor é o Mineirinho, bebida produzida em
São Gonçalo, no Rio de Janeiro, e distribuída apenas neste estado. A
companhia não nega nem confirma as prováveis ofertas de compra que já
recebeu. Tampouco comenta a possibilidade de fechar um negócio do tipo
no futuro.
Aposta no digital
A marca de 74 anos busca garantir seu espaço apostando num sabor
diferenciado, conseguido com a utilização da planta Chapéu de Couro como
matéria-prima. A bebida também conta com um reconhecimento afetivo
entre moradores do estado, que levam o hábito de consumo de geração em
geração. Para potencializar essa proximidade, a fabricante incrementou
seus investimentos em Marketing ao longo dos últimos cinco anos,
capacitando profissionais de venda, merchandising e comunicação digital.
Os recursos também são aportados em projetos sociais voltados para as
comunidades do entorno, especialmente em ações esportivas para jovens.
Entre as novidades que devem ser lançadas ainda este ano está um game
para internet. “Estamos buscando nos aproximar ainda mais dos jovens,
que muitas vezes têm o primeiro contato com a bebida por meio dos pais. A
ideia é levar informações sobre o produto e os eventos realizados pela
companhia por meio de uma plataforma de entretenimento. Nos últimos
anos, fizemos muitas pesquisas para conhecer melhor nossos consumidores e
entender suas demandas”, afirma Rosana Chaves, Executiva de Negócios e
Marketing do Mineirinho, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Os desafios são enormes para a se concorrer com gigantes. “Estamos num
mercado extremamente competitivo, que da década 2000 para cá passou por
uma grande virada. Antes desse período, as grandes marcas respondiam por
70% do setor. Hoje, elas dominam 90%. No ano 2000, havia 800 empresas
fabricando refrigerantes no país e, atualmente, somos 200. É desafiador e
conquistamos o que temos hoje graças a um trabalho que foi, ao longo de
74 anos, fiel a sua proposta inicial”, ressalta Rosana Chaves.
Briga na cerveja
O Mineirinho, que tem esse nome porque abriu as portas em Ubá, em Minas
Gerais, enfrenta ainda as dificuldades de logística. A fabricação
ocorre inteiramente num parque industrial de 24 mil metros quadrados no
Grande Rio. Os planos incluem levar o refrigerante para outros estados.
Hoje, ele está presente em 25 mil pontos de venda. Um estimula para a
companhia dar passos mais largos é o posicionamento da marca entre as
empresas mais admiradas pelos cariocas na categoria refrigerante,
segundo pesquisa realizada pelo Grupo Troiano. Em 2013, a companhia
ocupou o quarto lugar, atrás de Coca-Cola, Pepsi e Guaraná Antarctica.
A distribuição também é um desafio para as microcervejarias artesanais.
Diferentemente do Mineirinho, que se posiciona como concorrente direto
das grandes marcas, as fabricantes de cerveja em menor escala preferem
apostar num nicho e desviar da disputa. “Não nos entendemos como
concorrentes da grande indústria, pois percebemos claramente dois
segmentos. Existe a cerveja de alto consumo, que é mais comercial e
marcada por uma competição extremamente acirrada, e as cervejas
especiais”, explica Rubens Deeke, Sommelier de Cervejas da Bierland, em
entrevista ao Mundo do Marketing.
Apesar de o mercado ter esse entendimento, não há legislação que defina
quais bebidas podem ser consideradas artesanais e quais não. Mesmo
direcionando para um nicho, ao longo dos últimos anos, a Bierland e
demais fabricantes em menor escala passaram a competir com a grande
indústria, que agregou a seu portfólio as cervejas especiais. O Grupo
Schincariol, por exemplo, resolveu abocanhar parcela deste mercado
oferecendo as marcas Baden Baden e Eisenbahn. A última é uma das
vizinhas da Bierland. Ambas estão localizadas no Vale do Itajaí, em
Santa Catarina.
Investimento em experiência de consumo
As cervejas artesanais apresentaram uma retomada de fabricação e de
consumo no Brasil há aproximadamente 15 anos. Há uma legião de fãs que
não troca o sabor diferenciado dessas opções pelas concorrentes da
grande indústria de forma alguma. “Temos como diferencial um respeito
aos processos e à qualidade que a produção em larga escala acaba
suprimindo. Consideramos que nossa batalha é dentro de casa, para
entregar sempre o melhor produto. Temos um compromisso com os amantes da
cerveja, que representam cerca de 0,5% de todo o universo de
consumidores”, afirma Rubens Deeke.
O preço da bebida artesanal é mais alto, o que exige da fabricante mais
esforços em criar uma experiência diferenciada para o cliente. A
Bierland busca envolver os consumidores desde o rótulo, por meio da
impressão de informações importantes nele, até a oferta de visitas
guiadas pela fábrica, com degustações. “Estamos mais próximos também aos
bares e restaurantes para proporcionarmos o espetáculo da cerveja. A
bebida precisa ser servida da forma correta e harmonizada com os pratos,
assim como já ocorre com o vinho”, explica o Sommelier.
A Bierland conta com cerca de 20 funcionários e produção mensal de 110
mil litros. Investimentos estão sendo realizados na fábrica para que sua
capacidade seja ampliada para 150 mil litros. Nada comparado a marcas
como a Ambev, que vendeu 86,7 milhões de hectolitros de cerveja em 2012.
Uma nova planta está sendo erguida pela Bierland e deve ficar pronta em
até dois anos. Como seu diferencial em relação às grandes indústrias
não pode estar apenas no volume produzido, a empresa inscreve seus
rótulos frequentemente em torneios internacionais e acumula prêmios. Por
lá, as gigantes não têm vez.