MARÇO 2016
Novas redes sociais poderosas reescreveram as regras para os profissionais de marketing. Eis aqui o que funciona — e o que não funciona — na era do Facebook, YouTube e Twitter.
Em tempos de Facebook e YouTube, construir uma marca se tornou um desafio inquietante. Não esperávamos que as coisas ficassem assim. Há uma década, a maioria das empresas anunciava a chegada de uma nova idade de ouro da gestão de marca. Muitas contrataram agências criativas e exércitos de tecnólogos para inseri-las por todo o universo digital.
Virais, buzz, memes e stickiness se tornaram a Lingua franca do branding. Mas, apesar de todo o alvoroço, os esforços não trouxeram o retorno esperado.
Como característica central da estratégia digital, diversas organizações fizeram grandes apostas no que chamamos de conteúdo de marca. A ideia era que a mídia social permitiria às empresas “pular” a mídia tradicional e construir relações diretamente com os clientes. Contar grandes histórias e se conectar com eles em tempo real garantiria às organizações um lugar central em comunidades de consumidores. Muitas empresas têm investido bilhões para concretizar esse objetivo. No entanto, poucas marcas atraem significativamente o cliente por meio da rede. De fato, a mídia social parece ter tornado as marcas menos significativas. O que deu errado?
Para resolver esse enigma, precisamos lembrar que o sucesso da marca depende da inovação na cultura. E o branding é um conjunto de técnicas para gerar relevância cultural. As tecnologias digitais não só criaram novas redes sociais potentes, mas também alteraram consideravelmente o modo como a sociedade opera. Agora, os grupos digitais são inovadores bastante eficazes e prolíficos da cultura — um fenômeno que chamo de crowdculture. Algo que muda as regras da gestão de marcas — quais técnicas funcionam ou não. Se entendermos o que é crowdculture, então, poderemos descobrir por que as estratégias de conteúdo de marca fracassaram — e que métodos alternativos de branding são potencializados pelas mídias sociais.
Por que o conteúdo de marca e os patrocínios costumavam funcionar
Embora os defensores insistam que se trata de algo novo, a verdade é que o conteúdo de marca nada mais é que aquilo que sobrou da era da mídia de massa agora reembalado como um conceito digital. No início, muitas empresas emprestavam as abordagens de entretenimento popular para tornar suas marcas famosas usando storytelling, truques cinematográficos, canções e personagens empáticos para conquistar o público. Anúncios clássicos como “Não acredito que comi tudo aquilo”, da Alka-Seltzer; “Frito Bandito”, da Frito-Lay; e o da Farrah Fawcett “espumando” Joe Namath com Noxema entraram sorrateiramente na cultura popular porque divertiam o público.
Embora os defensores insistam que se trata de algo novo, a verdade é que o conteúdo de marca nada mais é que aquilo que sobrou da era da mídia de massa agora reembalado como um conceito digital. No início, muitas empresas emprestavam as abordagens de entretenimento popular para tornar suas marcas famosas usando storytelling, truques cinematográficos, canções e personagens empáticos para conquistar o público. Anúncios clássicos como “Não acredito que comi tudo aquilo”, da Alka-Seltzer; “Frito Bandito”, da Frito-Lay; e o da Farrah Fawcett “espumando” Joe Namath com Noxema entraram sorrateiramente na cultura popular porque divertiam o público.
Essa forma inicial de conteúdo de marca funcionou bem porque os meios de entretenimento eram oligopólios, o que limitava a competição cultural. Nos Estados Unidos, três redes produziam programas de televisão por 30 semanas ou mais por ano e, depois disso, começaram a reprisar. Filmes eram distribuídos apenas nos cinemas locais. Da mesma forma, a concorrência entre revistas ficava restrita ao que cabia nas prateleiras das lojas. O único caminho para o sucesso das empresas de marketing de consumo dependia da compra de espaço para colocar suas marcas nessa arena cultural rigidamente controlada.
Muitas também conseguiam se infiltrar na sociedade com a ajuda do patrocínio de eventos e programas de televisão, vinculando-se a conteúdos bem-sucedidos. Considerando que os fãs têm acesso limitado aos seus artistas favoritos, as marcas podem agir como intermediários. Durante décadas nos acostumamos a ver cadeias de fast food patrocinar filmes de sucesso, automóveis de luxo organizar competições de golfe e tênis e marcas jovens apoiar bandas e festivais de música.
O surgimento de novas tecnologias impossibilitou o público de ver anúncios (de redes de cabo para DVDs e depois para a internet) e dificultou a “compra” da fama. Dessa forma, as marcas passaram a competir diretamente com o entretenimento real. Então, as empresas aumentaram as apostas.
A BMW foi pioneira em criar curtas-metragens para a internet. Rapidamente, as corporações começaram a contratar grandes diretores de cinema (Michael Bay, Spike Jonze, Michel Gondry, Wes Anderson, David Lynch) e pressionar por valores de produção e efeitos especiais cada vez mais espetaculares.
Esses primeiros esforços digitais (pré-mídia social) levaram muitas empresas a acreditar que, se pudessem oferecer algo criativo no nível de Hollywood e na velocidade da internet, poderiam conquistar um enorme público fiel a suas marcas. Esse foi o primeiro grande impulso para o conteúdo de marca. Mas os defensores dessa ideia não contavam com uma nova concorrência — que dessa vez não veio de grandes empresas de mídia, mas do povo.
A ascensão da crowdculture
Historicamente, a inovação cultural fluiu das margens da sociedade — de grupos marginais, movimentos sociais e círculos artísticos que desafiavam convenções e normas tradicionais. As empresas e os meios de comunicação atuaram como intermediários e difundiram essas novas ideias pelo mercado de massa. Mas a mídia social mudou tudo.
Historicamente, a inovação cultural fluiu das margens da sociedade — de grupos marginais, movimentos sociais e círculos artísticos que desafiavam convenções e normas tradicionais. As empresas e os meios de comunicação atuaram como intermediários e difundiram essas novas ideias pelo mercado de massa. Mas a mídia social mudou tudo.
Ela pôde unir comunidades antes isoladas geograficamente e aumentar o ritmo e a intensidade da colaboração. Agora que esses grupos antes remotos são densamente conectados pela rede, sua influência cultural se tornou direta e substancial. É possível observar duas categorias dessas novas crowdcultures: subculturas, que defendem ideologias e práticas; e mundos da arte, que abrem novos caminhos no entretenimento.
Subculturas amplificadas. Hoje é possível encontrar uma crowdculture florescente em torno de praticamente qualquer assunto: café, a morte do sonho americano, romances vitorianos, móveis de design, libertarianismo, novo urbanismo, impressão 3-D, anime, observação de aves, educação escolar em casa, churrasco. Antigamente, era preciso se reunir fisicamente. Havia pouquíssimas maneiras de comunicação coletiva, como revistas e, mais tarde, o antigo Usenet, sistema mundial de encontros e grupos de discussão.
A mídia social se expandiu e democratizou essas subculturas. Com alguns cliques você pode saltar para o centro de qualquer uma. As intensas interações dos participantes se movem continuamente entre web, espaços físicos e mídias tradicionais. Juntos, os membros impulsionam ideias, produtos, práticas e estéticas — ignorando quem controla a cultura de massa. Com a ascensão da crowdculture, inovadores culturais e os mercados que inicialmente os adotaram se tornaram a mesma coisa.
Mundos da arte turbinados. Produzir entretenimento popular e inovador requer um tipo específico de organização — o que os sociólogos chamam de mundo da arte. Nesse universo, artistas (músicos, cineastas, escritores, desenhistas, cartunistas etc.) se reúnem numa competição colaborativa e inspiradora: trabalham juntos, aprendem uns com os outros, têm embate de ideias e impulsionam os colegas. Os esforços coletivos dos participantes nessas “cenas” muitas vezes geram grandes avanços criativos. Antes do surgimento das mídias sociais, as indústrias da cultura de massa (cinema, televisão, mídia impressa, moda) copiavam e adaptavam as inovações.
A crowdculture turbinou os mundos da arte, aumentando consideravelmente o número de participantes e a velocidade e a qualidade de suas interações. Você não precisa mais fazer parte de uma cena local nem trabalhar por um ano para ter financiamento e distribuição para o seu curta-metragem. Agora, milhões de empreendedores culturais ágeis se reúnem online para aprimorar habilidades, trocar ideias, afinar conteúdos e competir para produzir algo de sucesso. O efeito de rede é um novo modo de rápida prototipagem cultural em que é possível obter dados instantâneos de acordo com a recepção das ideias e críticas no mercado e, depois, atualizá-los para que o conteúdo mais ressonante venha sem demora à superfície. No processo, surgem novos talentos e outros gêneros se formam. Espremido em cada canto e recanto da cultura pop, o novo conteúdo é bem assimilado pelo público e produzido de forma barata. Essas crowdcultures do mundo da arte são a principal razão pela qual o conteúdo de marca falhou.
Além do conteúdo de marca
Muitas empresas apostaram nessa tendência na última década. Agora, sólidas evidências empíricas mostram que é preciso reconsiderar. Marcas corporativas mal aparecem nos rankings de canais por número de assinantes do Instagram ou do YouTube. Apenas três chegaram ao Top 500 deste. É comum encontrar artistas desconhecidos que aparecem como que do nada.
Muitas empresas apostaram nessa tendência na última década. Agora, sólidas evidências empíricas mostram que é preciso reconsiderar. Marcas corporativas mal aparecem nos rankings de canais por número de assinantes do Instagram ou do YouTube. Apenas três chegaram ao Top 500 deste. É comum encontrar artistas desconhecidos que aparecem como que do nada.
O maior sucesso do YouTube, de longe, é o PewDiePie, um sueco que posta filmagens editadas de maneira simples e com comentários sarcásticos (às vezes sem imagem) sobre jogos preferidos. Em janeiro de 2016, ele já acumulava aproximadamente 11 milhões de visualizações e seu canal tinha mais de 41 milhões de assinantes.
Como isso aconteceu? A história começa com as subculturas jovens que se formaram em torno do videogame. Elas ganharam força quando chegaram às mídias sociais. A outrora excêntrica subcultura de jogos como entretenimento da Coreia do Sul se tornou global, produzindo um esporte virtual agora conhecido como E-Sports, com uma base de 100 milhões de fãs aproximadamente. (A Amazon comprou recentemente a rede de E-sports Twitch por US$ 970 milhões.)
No E-Sports, as emissoras oferecem narração detalhada de jogos de videogame. PewDiePie e seus companheiros repetem esses comentários transformando-os em um tipo de comédia com provocações e alguns palavrões. Outros jogadores que postam vídeos de si mesmos — VanossGaming (posição 19 no YouTube, com 15,6 milhões de assinantes); elrubiusOMG (20; 15,6 milhões); CaptainSparklez (60; 9 milhões); e Ali-A (94; 7,4 milhões) — são também membros influentes da tribo. Inicialmente, a crowdculture era organizada por plataformas de mídia especializadas que disseminavam esses conteúdos e pelos fãs envolvidos que se reuniam para promovê-los ou criticá-los. PewDiePie se tornou a estrela desse mundo digital artístico — assim como Jean-Michel Basquiat e Patti Smith fizeram no mundo da arte urbana nos antigos dias analógicos. A principal diferença é que o poder da crowdculture trouxe ao youtuber influência e fama mundial em tempo recorde.
Jogos de comédia estão entre as centenas de novos gêneros que a crowdculture criou. E preenchem todas as lacunas que se possa imaginar de entretenimento na cultura popular, como dicas de moda, alimentos indulgentes, críticas esportivas etc. Apesar do investimento, as marcas não podem competir. Faça uma comparação entre PewDiePie, que produz vídeos de baixo custo em sua casa, com a McDonald, uma das que mais gastam com mídias sociais no mundo. Seu canal (posição 9.414) tem 204 mil assinantes no YouTube. PewDiePie é 200 vezes mais popular, com uma fração minúscula do custo.
Ou considere a Red Bull, a história de sucesso de marcas de conteúdo mais elogiada. Ela se tornou um centro de novas mídias produzindo material sobre esportes radicais e alternativos. Enquanto a Red Bull gasta o seu enorme orçamento de US$ 2 bilhões anuais com marketing de conteúdo de marca, o seu canal no YouTube (posição 184, com 4,9 milhões de assinantes) é banhado por dezenas de startups de crowdculture com orçamento de produção abaixo dos US$ 100 mil. A verdade é que canais como o Dude Perfect (posição 81, com 8 milhões de assinantes), de cinco atletas universitários do Texas que postam vídeos de truques de tiros e engraçados feitos atléticos improvisados, se saem muito melhor.
A Coca-Cola oferece outra história. Em 2011, a empresa anunciou com grande alarde uma nova estratégia de marketing (Liquid & Linked). Ela apostou todas as fichas e mudou sua ênfase: de “excelência criativa” (a antiga abordagem de comunicação de massa) para “excelência de conteúdo” (conteúdo de marca de mídias sociais). Jonathan Mildenhall, da Coca-Cola, afirmou que a organização iria produzir continuamente o “conteúdo mais atraente do mundo”, e assim capturaria “uma parcela desproporcional da cultura popular”, dobrando as vendas em 2020.
No ano seguinte, a empresa lançou a sua primeira grande aposta, transformando seu estático site corporativo em uma revista digital, a Coca-Cola Journey, que aborda histórias de diversos temas da cultura pop, como esportes, alimentos, sustentabilidade e viagens. É o epítome de uma estratégia de conteúdo de marca.
A revista tem mais de três anos e quase não registra visualizações. Não está entre os 10 mil principais sites dos Estados Unidos nem entre os 20 mil do mundo. Da mesma forma, o canal no YouTube da empresa (posição 2.749) tem apenas 676 mil assinantes.
O fato é que os consumidores têm pouco interesse no conteúdo que as marcas despejam. Pouquíssimas pessoas desejam ter esse tipo de informação em seu feed de notícias. A maioria enxerga isso como exagero, lixo eletrônico. Quando a Facebook percebeu isso, começou a cobrar para que as empresas tivessem conteúdo “patrocinado” no feed de pessoas que deveriam ser seus seguidores.
O problema enfrentado pelas organizações é estrutural, não criativo. Grandes empresas planejam esforços de marketing como a antítese do mundo da arte, o que costumo chamar de burocracias de marca. Elas sobressaem na hora de coordenar e executar programas complexos de marketing em vários mercados ao redor do mundo. Mas esse modelo organizacional tende a levar à mediocridade quando se trata de inovação cultural.
Patrocinadores de marcas não têm intermediários
“Propriedades” de entretenimento (artistas, atletas, equipes de esportes, filmes, programas de televisão e jogos de videogame) são muito populares também nas mídias sociais. Em todas as grandes plataformas, você encontra a lista usual das celebridades que dominam. No YouTube, músicos como Rihanna, One Direction, Katy Perry, Eminem, Justin Bieber e Taylor Swift construíram audiências maciças. No Twitter há um elenco semelhante de cantores, além de estrelas de mídia, como Ellen DeGeneres, Jimmy Fallon, Oprah, Bill Gates e o papa. Fãs seguem tweets de estrelas do esporte, como Cristiano Ronaldo, LeBron James, Neymar e Kaká, e de equipes como o FC Barcelona e Real Madrid (muito mais populares do que as duas marcas esportivas dominantes, Nike e Adidas). No Instagram o cenário é o mesmo. Essas celebridades têm conquistado uma comunidade entusiástica, algo que os especialistas prometiam que a mídia social faria. Mas isso não está disponível para as empresas e seus produtos de marca e serviços. Em retrospecto, isso não deveria ser uma surpresa: interagir com um artista favorito é diferente de se relacionar com uma marca de aluguel de automóveis ou de suco de laranja. O que funciona para Shakira não tem o mesmo efeito em relação à Crest ou Clorox. Acreditar que os consumidores falariam sobre Corona ou Coors da mesma forma que debatem o talento de Ronaldo ou de Messi é ingenuidade.
“Propriedades” de entretenimento (artistas, atletas, equipes de esportes, filmes, programas de televisão e jogos de videogame) são muito populares também nas mídias sociais. Em todas as grandes plataformas, você encontra a lista usual das celebridades que dominam. No YouTube, músicos como Rihanna, One Direction, Katy Perry, Eminem, Justin Bieber e Taylor Swift construíram audiências maciças. No Twitter há um elenco semelhante de cantores, além de estrelas de mídia, como Ellen DeGeneres, Jimmy Fallon, Oprah, Bill Gates e o papa. Fãs seguem tweets de estrelas do esporte, como Cristiano Ronaldo, LeBron James, Neymar e Kaká, e de equipes como o FC Barcelona e Real Madrid (muito mais populares do que as duas marcas esportivas dominantes, Nike e Adidas). No Instagram o cenário é o mesmo. Essas celebridades têm conquistado uma comunidade entusiástica, algo que os especialistas prometiam que a mídia social faria. Mas isso não está disponível para as empresas e seus produtos de marca e serviços. Em retrospecto, isso não deveria ser uma surpresa: interagir com um artista favorito é diferente de se relacionar com uma marca de aluguel de automóveis ou de suco de laranja. O que funciona para Shakira não tem o mesmo efeito em relação à Crest ou Clorox. Acreditar que os consumidores falariam sobre Corona ou Coors da mesma forma que debatem o talento de Ronaldo ou de Messi é ingenuidade.
A mídia social permite aos fãs criar valiosas comunidades em torno de artistas, que interagem diretamente com eles por meio de um verdadeiro bombardeio de tweets, pins e posts. Agora, diversas equipes de esportes contratam representantes de mídia social para interagir com os fãs em tempo real durante os jogos, e ao fim da partida os jogadores enviam fotos e mantêm conversas de vestiário. Além das principais plataformas, novos sites de mídia como Vevo, SoundCloud e Apple Music têm estimulado ainda mais conexões digitais diretas.
Claro, os artistas estão mais do que felizes em ganhar dinheiro dos patrocinadores, mas o valor cultural que deveria passar para a marca tem desaparecido.
Marca cultural
Embora diminua o impacto do conteúdo da marca e dos patrocínios, a ascensão da crowdculture tem lubrificado as rodas para uma abordagem alternativa que eu chamo de marca cultural (cultural branding). (Ver quadro “Como a marca cultural constrói ícones”.) O notável sucesso do fast food casual de comida mexicana da rede Chipotle entre 2011 e 2013 (antes dos recentes surtos de doenças transmitidas por alimentos) demonstra o poder desta abordagem.
Embora diminua o impacto do conteúdo da marca e dos patrocínios, a ascensão da crowdculture tem lubrificado as rodas para uma abordagem alternativa que eu chamo de marca cultural (cultural branding). (Ver quadro “Como a marca cultural constrói ícones”.) O notável sucesso do fast food casual de comida mexicana da rede Chipotle entre 2011 e 2013 (antes dos recentes surtos de doenças transmitidas por alimentos) demonstra o poder desta abordagem.
A Chipotle aproveitou uma enorme oportunidade quando os movimentos outrora marginais que desafiavam a cultura industrial de alimentos dominante dos Estados Unidos se tornaram uma força reconhecida nas mídias sociais. A cadeia entrou na briga como defensora da ideologia dessa crowdculture. Ao aplicar a marca cultural, a Chipotle se tornou uma das marcas americanas mais atraentes e comentadas (embora recentes dificuldades de segurança alimentar tenham prejudicado a sua imagem). Especificamente, a empresa seguiu cinco mandamentos para o sucesso:
1. Mapeie a ortodoxia cultural. A ideia do branding cultural é permitir que a marca promova uma ideologia inovadora que rompa com as convenções da categoria. Para isso, ela precisa identificar antes de tudo quais padrões deve ultrapassar — o que chamo de ortodoxia cultural. A ideologia industrial americana sobre a comida foi inventada no início do século 20 por companhias de marketing de alimentos. Os americanos passaram a acreditar que brilhantes descobertas científicas (margarina, café instantâneo, Tang) e processos de produção padronizados garantiriam às grandes empresas, supervisionadas pela Food and Drug Administration (FDA, sigla em inglês do órgão governamental americano responsável pelo controle de alimentos, fármacos, material biológico e afins), comida abundante, saudável e saborosa. Essas suposições têm sustentado a categoria fast food desde que a McDonald’s decolou na década de 1960.
2. Localize a oportunidade cultural. Com o passar do tempo, as disrupções na sociedade tendem a levar a ortodoxia a perder tração. Os consumidores começam a procurar alternativas, o que abre oportunidade para que as marcas inovadoras impulsionem uma nova ideologia em suas categorias.
Para alimentos industriais, o ponto de inflexão veio em 2001, quando o livro Fast food nation (no Brasil, País fast food, Ática, 2002), de Eric Schlosser, fez grandes provocações. O que foi seguido em 2004 pelo filme Super size me (Super size me: a dieta do palhaço) e em 2006 pelo influente livro de Michael Pollan The omnivore’s Dilemma (O dilema do onívoro, Intrínseca, 2007). Essas críticas afetam drasticamente a classe média alta e rapidamente espalham preocupações sobre a indústria de alimentos ao mesmo tempo que proporcionam um enorme impulso para diversos fornecedores de alimentos de luxo, como Whole Foods Market, Trader Joe’s e tantos outros dessa categoria. A mesma transformação se verifica em outros países dominados pela ideologia industrial de alimentos. No Reino Unido, por exemplo, os chefs celebridades Jamie Oliver e Hugh Fearnley-Whittingstall desempenham um papel similar.
Antes da mídia social, esse tipo de influência teria ficado restrito a essa pequena fração da sociedade. Em vez disso, as crowdcultures usaram as críticas a seu favor pressionando os anseios da indústria de alimentos para o mainstream. Notícias sobre grandes problemas ligados à produção industrial de alimentos (comida processada e com muito açúcar, conservantes cancerígenos, hormônio bovino do crescimento (rBGH) no leite, lixiviação de bisfenol A (BPA) em plásticos, organismos geneticamente modificados etc.) começaram a circular na velocidade da internet. Vídeos com a substância “lodo rosa” em carnes se tornaram virais. Os pais estão cada vez mais aflitos com a alimentação dos filhos. A crowdculture converteu uma preocupação da elite em uma comoção social nacional que estimulou um amplo desafio público.
3. Foque na crowdculture. Contestadores da ideologia industrial de alimentos investigaram as margens por mais de 40 anos, mas foram facilmente deixados de lado, considerados fanáticos e contrários aos avanços. Pequenas subculturas tinham evoluído em torno da agricultura orgânica e pecuária de pasto, suprindo um modo de vida à margem do mercado de agricultura apoiado pela comunidade e pelos agricultores. Mas, na medida em que as mídias sociais decolaram, um influente e diversificado grupo de subculturas sobrepostas pressionou duramente por inovações em relação a alimentos. O que incluiu defensores da nutrição evolutiva e dietas paleo, fazendeiros sustentáveis, nova geração de ativistas ambientais, jardineiros urbanos e restaurantes do tipo produtor à mesa. Em pouco tempo, um movimento cultural maciço tinha se organizado em torno do renascimento de alimentos pré-industriais. A Chipotle se saiu bem porque saltou para essa crowdculture e assumiu a sua causa.
4. Espalhe a nova ideologia. A Chipotle ajudou a promover os ideais de alimentos pré-industriais com dois filmes. Em 2011, a empresa lançou Back to the start, animação com figuras de madeira simples na qual uma antiquada fazenda é transformada em uma paródia de uma propriedade industrial hiperracionalizada: os porcos são mantidos em um celeiro de concreto. Depois, são levados a uma linha de montagem, onde recebem injeções com substâncias químicas que os engorda excessivamente para, em seguida, serem pressionados em cubos e depositados em transportes de carga. O agricultor fica assombrado com essas mudanças e decide trazer sua fazenda de volta à versão pastoral.
O segundo filme, The scarecrow, é uma paródia de uma empresa industrial de alimentos que criou uma marca de produtos com imagens de uma fazenda natural. Trata-se de uma fábrica em que os animais recebem injeções com drogas e são mantidos de modo desumano. A empresa produz de forma rápida e mecânica alimentos pré-fabricados com o rótulo “100% beefish” (similar à carne), que muitas crianças, sem saber o verdadeiro processo, devoram avidamente. Um espantalho que trabalha na fazenda se sente muito triste por testemunhar o que acontece até que tem uma ideia. Ele decide colher diversos produtos de sua horta, levar para a cidade e abrir uma pequena taqueria — algo similar a Chipotle.
Os filmes foram lançados com minúsculos investimentos e, então, enviados para plataformas de mídia social. Extremamente influentes, vistos por dezenas de milhões de pessoas e com enorme sucesso, ambos ajudaram a impulsionar vendas e lucros de forma impressionante. Além disso, ganharam o Grand Prix no Festival de Publicidade de Cannes.
Os curtas da Chipotle costumam ser entendidos, de forma equivocada, simplesmente como grandes exemplos de conteúdo de marca. Mas, na verdade, causam impacto porque foram além do mero entretenimento. Sim, os filmes são inteligentes — assim como milhares de outros que não trouxeram conscientização. As histórias não são particularmente originais e, na última década, foram repetidas várias vezes com vigor criativo. Mas explodiram nas mídias sociais porque eram mitos que capturaram de forma apaixonada a ideologia da florescente crowdculture de alimentos pré-industriais. A Chipotle pintou uma visão inspirada no retorno dos Estados Unidos às tradições de produção de alimentos e agricultura campestre, revertendo muitos problemas no sistema alimentar dominante.
O fast food é a besta negra do movimento de alimentos pré-industrial, por isso a ideia de que uma grande empresa desse segmento pudesse divulgar essa má fama era particularmente bem-vinda. A Chipotle decidiu lutar contra o lodo rosa! Além disso, a alimentação boutique de consumo local é cara. Mas agora muitos poderiam amenizar suas preocupações com um burrito de US$ 7 na Chipotle. A empresa ajudou a acalmar inquietações ao se espalhar pela crowdculture, por isso seus filmes nunca precisaram competir como grande entretenimento.
5. Inovar continuamente usando focos culturais. Uma marca pode sustentar sua relevância cultural abordando questões particularmente intrigantes ou controversas que dominam o discurso da mídia relacionado com alguma ideologia. É o que a Ben & Jerry fez tão bem ao defender a sua filosofia de negócio sustentável. A empresa introduziu novos produtos para atacar com humor a administração Reagan sobre questões específicas, como armas nucleares, a destruição das florestas tropicais e a guerra contra as drogas.
Para crescer, a Chipotle deve continuar a influenciar assuntos do momento com produtos e comunicados. A empresa não tem sido bem-sucedida nesse quesito: ela deu seguimento em uma série da Hulu que teve pouco impacto de mídia social porque simplesmente imitou os filmes anteriores em vez de demarcar novos focos. A Chipotle, então, decidiu abordar uma nova questão: passou a defender alimentos sem OGM (organismo geneticamente modificado). Sem contar o fato de que esta reivindicação desafiou sua credibilidade (afinal, a empresa ainda vendia carne nutrida por grãos geneticamente modificados, além de refrigerantes feitos com adoçantes com essa alteração), os OGMs eram um foco relativamente fraco, uma questão controversa apenas entre os consumidores mais ativistas e já veiculada em centenas de produtos. Esses esforços não conseguiram a adesão da crowdculture. Diversos outros assuntos, como bebidas açucaradas e óleos vegetais industriais, geravam mais polêmica e ainda não tinham sido abordados por uma grande empresa do setor alimentício.
Claro, influenciar ideologias no mercado de massa pode ser uma faca de dois gumes. A marca precisa mostrar que é genuína ou será pressionada para isso. A Chipotle é um negócio grande e crescente com muitos processos em escala industrial, e não uma pequena taqueria do produtor à mesa. A entrega de alimentos frescos perecíveis, compromisso da empresa defensora de alimentos pré-industriais, é um enorme desafio operacional. A reputação da Chipotle sofreu um terrível impacto depois da ampla divulgação de surtos de contaminação de norovírus e da bactéria E. coli. O empenho em anúncios e relações públicas não vai ser suficiente para que a empresa reconquiste a confiança dos clientes. Em vez disso, ela deverá convencer a crowdculture de que reforçará seu compromisso de obter alimentos pré-industriais de forma adequada. Assim, terá mais chances de ganhar novamente apoio para a sua marca.
A competição por crowdcultures
Para gerir a marca com a ajuda da mídia social de forma eficaz, as empresas devem visar crowdcultures. Hoje, em busca de relevância, a maioria das marcas persegue tendências. Mas esta é uma abordagem conveniente: centenas de empresas fazem exatamente a mesma lista genérica de tendências. Não é de admirar que os consumidores não prestem atenção. Direcionar novas ideologias que se espalham pelas crowdcultures pode permitir às marcas destacar-se no sobrecarregado ambiente de mídia.
Para gerir a marca com a ajuda da mídia social de forma eficaz, as empresas devem visar crowdcultures. Hoje, em busca de relevância, a maioria das marcas persegue tendências. Mas esta é uma abordagem conveniente: centenas de empresas fazem exatamente a mesma lista genérica de tendências. Não é de admirar que os consumidores não prestem atenção. Direcionar novas ideologias que se espalham pelas crowdcultures pode permitir às marcas destacar-se no sobrecarregado ambiente de mídia.
Considere a categoria de cuidados pessoais. Três marcas — Dove, Axe e Old Spice — têm gerado grande interesse e identificação do consumidor em uma categoria historicamente de baixo envolvimento que raramente chamaria a atenção nas mídias sociais. Elas tiveram sucesso ao defender ideologias distintas de gênero ao redor das quais se formaram crowdcultures.
O Axe apoia a comunidade laddish. Na década de 1990, críticas feministas sobre a cultura patriarcal foram promulgadas por acadêmicos em universidades americanas. Uma reação conservadora, porém, chamava a política de gênero de “politicamente correta”, defendendo a ideia de que os homens estariam sob um cerco e precisariam reacender sua masculinidade tradicional. No Reino Unido, e depois nos Estados Unidos, essa rebelião deu origem a uma forma irônica de sexismo chamada “cultura laddish”. Novas revistas como Maxim, FHM e Loaded voltaram à era Playboy, com histórias lascivas e fotos de soft-porn. Essa ideologia atingiu muitos jovens. No início dos anos 2000, a cultura laddish migrava para a web como uma vigorosa crowdculture.
O Axe (vendido como Lynx no Reino Unido e na Irlanda) tem sido comercializado na Europa e na América Latina desde os anos 1980, mas se tornou uma marca datada e de última opção. Isto é, até que a empresa decidiu saltar para o movimento laddish com o “Efeito Axe”, uma campanha que levou fantasias sexuais politicamente incorretas a extremos. Ela se espalhou como fogo na internet e rapidamente estabeleceu o desodorante como líder da comunidade laddish.
A Dove está à frente da comunidade “postura positiva”. A postura agressiva da Axe criou uma grande oportunidade para outra marca defender o lado feminista dessa “guerra dos sexos”. A Dove era uma marca antiga e pouco original, uma categoria em que o marketing, em geral, usa para promover tendências de beleza estabelecidas por casas de moda e pela mídia. Por volta dos anos 2000, o ideal do corpo da mulher tinha sido levado ao extremo ridículo. Críticas feministas do uso do famigerado tamanho 0 começaram a circular nas mídias sociais e tradicionais. Em vez de apresentar algo que inspirasse, o marketing de beleza se tornou inacessível e alienante para muitas mulheres.
A campanha “Retratos da beleza real”, da Dove, aproveitou essa emergente crowdculture de celebração ao corpo das mulheres comuns em toda a sua diversidade — velho, novo, curvilíneo, magro, baixo, alto, enrugado, liso. Mulheres de todo o mundo começaram a produzir, circular e apoiar imagens de corpos femininos que não estavam em conformidade com o mito da beleza. Ao longo da última década, a Dove continua a atingir alguns focos culturais (como o uso de imagens com excesso de photoshop em revistas de moda) para manter a marca no centro desse discurso de gênero.
O desodorante Old Spice atinge a comunidade hipster. A batalha ideológica entre o ponto de vista laddish e do feminismo “postura positiva” deixa de tocar outra oportunidade cultural no mercado de cuidados pessoais. Na década de 2000, uma nova ideologia hipster surgia em subculturas urbanas para definir sofisticação entre os jovens adultos cosmopolitas. Eles abraçaram o ideal boêmio histórico com entusiasmo, mas também com sarcasmo autorreferencial. Guarda-roupas irônicos de brancos pobres dos Estados Unidos (bonés de espuma, blusas do Exército da Salvação nada atraentes) e pelos faciais (bigodes grossos e barbas espessas) se difundiram amplamente. Brooklyn parecia repleto de lenhadores. Amplificada pela crowdculture, essa tendência rapidamente se espalhou por todo o país.
A marca Old Spice pegou carona na sofisticação hipster com uma paródia do Axe e clichês masculinos. A campanha apresentou o ex-jogador de futebol Isaiah Mustafa —“Seu homem pode ter o mesmo cheiro deste homem”. O filme acerta na mosca: mostra um cara extremamente atraente que tira sarro das convenções nos jogos de sedução dos homens. A ideia é que você também pode ser atraente se oferecer à sua mulher diamantes, ouro, surpreendentes aventuras e poses sensuais, tudo isso se pulverizando agressivamente com Old Spice.
As três marcas fizeram sucesso nas mídias sociais porque usaram a marca cultural — uma estratégia que funciona de forma diferente do modelo convencional de conteúdo de marca. Elas usaram um discurso cultural sobre gênero e sexualidade de grande circulação nas mídias sociais (uma crowdculture) que defendia uma ideologia distinta. Agiram como pregadoras, promovendo ideais a uma audiência de massa. Essas oportunidades ganham visibilidade apenas se usarmos o prisma da marca cultural — pesquisar e identificar ideologias relevantes para uma categoria e ganhar força nas crowdcultures. Empresas que dependem de modelos de segmentação e relatórios tradicionais de tendências sempre terão problemas para identificar essas oportunidades.
DEPOIS DE UMA DÉCADA, muitas empresas ainda enfrentam dificuldades para chegar a um modelo de marca que funciona no caótico mundo das mídias sociais. As grandes plataformas — Facebook, YouTube e Instagram — parecem dominar, enquanto a grande maioria das marcas está muda culturalmente, apesar dos bilhões de investimento. As organizações precisam mudar o foco rumo ao local real do poder digital — as crowdcultures. Elas têm criado mais oportunidades do que nunca para as marcas. O sucesso da Old Spice não dependeu de uma estratégia relacionada com a Facebook, mas de algo que alavancou a estética do moderno e irônico. E a Chipotle não precisou recorrer ao YouTube, mas a produtos e mensagens que ecoavam o movimento de alimentos pré-industriais. As empresas podem mais uma vez ganhar a batalha da relevância cultural com a marca cultural, o que certamente permitirá explorar o poder da multidão.