Você já deve ter escutado centenas de denominações de marketing. Inclusive, muito se fala que vivemos uma revolução na área. Mas será que essas transformações não são apenas repaginadas de algo que já vem sendo dito há décadas?
Por Fábio Bandeira de Mello, Revista Administradores
Pense rápido... O que é mais importante em uma estratégia de marketing para uma empresa?
Muito provavelmente você tenha dito os lucros, ou fazer clientes fiéis, talvez tenha pensado nos tradicionais 4Ps (Praça, Preço, Promoção e Produto), ou até mesmo em ser reconhecido pelos consumidores. Caso ainda não tenha reparado, todas essas opções citadas acima são fundamentais e visadas em qualquer campanha há décadas. O verdadeiro sucesso dessas ações está, justamente, em aliar o máximo delas para satisfazer as necessidades dos consumidores.
Só que a capacidade que os profissionais de marketing têm de inventar palavras novas para descrever antigos conceitos é crescente. A prova está na seção de livros de negócios encontrada em qualquer grande livraria. Marketing one to one, de relacionamento, viral, boca-a-boca, direto, de permissão, pessoal, Cauda Longa, 1.0, 2.0, 3.0, marketing de guerrilha e, sem dúvida, essa lista não para por aqui. Essas variações costumam aparecer em livros internacionais, escritos por uma infinidade de novos gurus, mas que, devidamente estudados, são muitas vezes repetições sobre o mesmo tema.
Para a professora de Marketing Nelci Moreira, da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), um exemplo desta constatação está nas escolas de marketing norte- americanas. "Um professor da Harvard Business School, obrigado a publicações acadêmicas para preencher sua cota, solicita como tarefa a seus alunos que visitem uma determinada empresa para elaborar um case. Posteriormente, publica um artigo sobre o assunto. Por aqui, professores passam a escrever novos artigos com base no publicado por Harvard, gerando aulas, citações dos cases e logo alguém na mídia se utiliza desses jargões. Daí, para fazer parte de novos livros fica faltando pouco. Rapidamente estas ideias se misturam e são geradas novas, prejudicando, inclusive a nossa publicação científica, que fica repleta de pseudo-pesquisas", assegura Nelci.
Aula na mercearia
O marketing de relacionamento é um desses exemplos que vem sendo apontado como a atual tendência do mercado. Mas essa está longe de ser uma prática realmente inovadora, muito pelo contrário, ela é tão antiga quanto o próprio comércio. Um exemplo disso é a mercearia do Seu Francisco, na cidade de Abaeté, no interior de Minas Gerais, que já está há três gerações com a família. Francisco nunca teve problema com freguesia, sabia o nome de todos os clientes e sempre que conseguia, batia um "dedinho de prosa" ou tomava um cafezinho com os frequentadores. Para os moradores próximos, a mercearia tornou-se essencial e, apesar de não ter a grande variedade de produtos e promoções dos supermercados, as compras do mês eram sempre feitas ali.
"A busca em atender a necessidade do consumidor sempre foi algo imperativo ao marketing. Não há nada de novo nisso. Quem atendesse melhor a necessidade dos consumidores teria mais clientes fiéis", explica o professor de Marketing da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Nicolau André.
De acordo com ele, "a grande diferença, no entanto, é que cada vez mais empresas estão entendendo que o consumidor não compra um produto apenas pela razão, mas pelo bom atendimento, atenção e, principalmente, por alcançar seu lado emocional". Dessa forma, grandes organizações estão aprendendo que atender como a mercearia do Seu Franciso pode fazer toda diferença.
Reclamações e virais sempre existiram
Eduardo Carvalho tinha 17 anos quando comprou sua primeira câmera fotográfica. A aquisição, porém, não foi uma de suas melhores experiências. Menos de um mês depois da compra, o aparelho parou de funcionar. Consequência disso foi ele comentar com seus amigos a contra-indicação daquela marca. Esses contatos se espalharam para outras pessoas, o que fez possíveis compradores desistirem do produto. O detalhe desse fato tão corriqueiro é que aconteceu no final da década de 70.
Muitas teorias de marketing recentes apontam que os consumidores de hoje são mais exigentes e, agora, fazem questão de falar isso em sites de relacionamento. Mas a questão é que as pessoas sempre reclamaram ou recomendaram produtos e serviços através dos tempos. "
"O boca-boca é a mais velha mídia do mundo. Apenas as redes sociais, ligadas na internet com conectividade, amplificaram e facilitaram o fenômeno desse relacionamento interpessoal", indica Renato Marchetti, professor do programa de doutorado em Administração da PUC-PR. Para ele, as novas plataformas originadas na convergência tecnológica permitiram ampliar a dimensão de velhos costumes.
A inovadora Cauda Longa do século 19
Imagine a possibilidade de comercializar milhares de produtos sem os clientes precisarem sair de casa. Ali teriam desde as mercadorias mais procuradas e desejadas, até aquelas que dificilmente estariam numa loja tradicional pela pouca demanda. A grande variedade de produtos e a não necessidade de vendedores em uma loja física se tornariam os impulsionadores desse comércio.
Não, não estamos falando do e-commerce e nem tão pouco da badalada Teoria da Cauda Longa que indicou essa linha de negócios com a internet. Trata-se de um catálogo que fez muito sucesso ainda no final do século 19. "No catálogo da Sears (Wish Book) havia cerca 200 mil itens com descrições e cerca de seis mil ilustrações. Era um tipo de compra postal que barateava o produto em mais de 50%, levando em consideração os custos de expedição", declara Nelci Moreira, da UNISUL.
Para a professora, a essência do modelo de comércio da Sears com a Amazon de hoje, por exemplo, é a mesma. "A grande mudança foi as novas plataformas, que substituíram o catálogo, primeiro pelo computador com a internet e, agora, com celular e tablets."
Nem Kotler escapa
Uma outra teoria que está sendo bastante comentada são os argumentos expostos no Marketing 3.0 de Philip Kotler, considerado uma das maiores autoridades mundiais do marketing. Ela vem influenciando a forma de as empresas se comportarem diante do consumidor. Mas, até o próprio 3.0 não se trata realmente de um novo formato do marketing, apontam estudiosos da área.
Alice Barreto, mestranda em Administração pela UFPB, acredita que Philip Kotler traz novos rótulos para antigas teorias. "Ele tem um papel relevante para estudantes em nível de graduação e gestores pelo acesso a um livro mais didático, com denominações mais entendíveis. No entanto, não se pode caracterizar de fato como evolução da área, em um contexto amplo de desenvolvimento de novos conceitos e teorias", salienta Alice. "Inclusive, o próprio Kotler já trabalhou essas definições de marketing social e marketing para sociedade em um livro da década de 70", complementa.
" A professora Nelci Moreira vai mais longe. Para ela, a questão é que Philip Kotler é um excelente produtor de manuais e transformar isso em novos jargões para o marketing foi uma forma de ganhar notoriedade. "Vamos esperar pelo Marketing 4.0 que será exigido pela aplicação da nanotecnologia e pelo marketing 5.0, uma possível exigência de mudanças radicais ocasionadas pela troca de ciências como suporte de velhos produtos", cogita.
Velhas ideias e novas inspirações
Professores da área são quase unânimes: tantas terminologias para rebatizar velhas ideias com cases mais atualizados são importantes para que novos interessados no assunto reinventem e adaptem ações de marketing. "Muitos livros recentes trazem uma leitura atualizada do que está acontecendo. Isso facilitar entender as ações atuais e ajuda a criar novos programas e abordagens", indica o professor Nicolau André, da FGV.
Para o professor Renato Marchetti, "o livro é um meio para difusão de conhecimento e as editoras sobrevivem de sua venda. Portanto, não há nenhum pecado nisto. Essas propostas representam fontes de inspiração. O importante é não se perder no meio de tantas ideias e novas perspectivas. O foco principal do marketing é o cliente, independente de como o chamamos".
Nesse sentido, nota-se que, apesar de tanto gurus e escritores do marketing atual não terem descoberto a pólvora, conseguiram deixá-la numa embalagem bem mais bonita. Isso é ruim? Claro que não! Empreendedores, estudantes e professores agradecem.
Então, o que há de novo?
O cenário corporativo precisa estar preparado. Por isso, as ações das empresas estão constantemente se adaptando para atender a nova era digital, as múltiplas plataformas e os recentes valores agregados das pessoas.
A sustentabilidade empurra as questões climáticas. A globalização dos mercados e a tecnologia acentuam a necessidade de uma revisão do marketing tradicional. Fala-se hoje em consumo consciente e discute-se com maior profundidade as questões do descarte de produtos, energia limpa e a presença de uma legislação cada vez mais rigorosa e atuante sobre os desvios da conduta ambiental.
De acordo com o professor Renato Marchetti, todas essas variáveis compõem o novo ambiente de marketing. "As empresas deverão se adaptar a este novo cenário como se adaptaram a outras rupturas do passado, como os processos de produção e distribuição em massa no inicio do século 20, a revolução nos meios de transporte e da comunicação."
Nesse sentido, apesar de poucas mudanças drásticas na essência do marketing, tudo se tornou mais intenso, veloz e responsável. O resultado disso? Simples. Olhar para o passado nunca se mostrou tão importante e relevante para a construção das ações do presente e futuro do marketing.
Esta matéria foi publicada originalmente na revista Administradores nº 1. Confira acima outros destaques da edição