segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Que tal investir em marketing sem botar a mão no bolso? (Parte 1)

A utilização de leis de incentivo à cultura e ao esporte - através de renúncia fiscal - são excelentes ferramentas de comunicação que podem sair de graça à empresa
Este artigo será dividido em 3 partes, publicadas semanalmente aqui no www.administradores.com.br. A primeira parte abordará o lado mais pesado do tema: conceitos legais, números, trâmite e leis (será no início para que a parte boa fique para o final!). A segunda, objeto do título deste artigo, versará sobre os benefícios para a imagem da organização em investir em comunicação, ainda que sem gastar um tostão, associando sua marca a iniciativas de marketing com alto padrão de qualidade e, melhor ainda, com profundo reconhecimento da marca. E quem não quer ser reconhecido por algo bom?
Finalmente, a última porção do texto explicará (alguns) dos porquês das leis de incentivo à cultura, ao audiovisual e ao esporte ainda serem tão negligenciadas, mesmo a despeito do investimento ser fruto da renúncia fiscal, isto é, o patrocinador não precisa desembolsar um único centavo a mais do que já pagaria em tributos.
Comecemos pedindo desculpas pelo tamanho desta primeira parte, que vai se estender mais do que eu gostaria, dada a importância de algumas ideias que se confundem bastante. É importante que se diferencie conceitos para que, com os dados certos, façamos a melhor uso das informações:
Imagem: Thinkstock

1. Anistia fiscal: refere-se exclusivamente às infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede, não se aplicando em vários casos, contudo. Nem vamos gastar mais tempo com isso, porque está claro que não é do nosso interesse para cá;
2. Benefício fiscal: todo incentivo é benefício, mas nem todo benefício é incentivo e resumo por quê – o primeiro estimula atividades econômicas em troca de contrapartidas de ordem social e o segundo concede anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos que correspondam a um tratamento diferenciado, sem necessariamente haver alguma contrapartida social. Geralmente é concedido à vista de um fato já consumado, que visa a amenizar uma situação gravosa do contribuinte, enquanto o incentivo "visa" ao "bem comum". É o caso que vamos passar a discutir aqui;
3. Imunidade tributária: é a retirada de um fato da área de incidência do tributo, ou seja, existe a concretização do fato gerador, mas não será cobrado o tributo devido – o contribuinte está dispensado do pagamento do um tributo devido. Na isenção fiscal, a obrigação de pagar o tributo existe, mas foi dispensada, e na imunidade tributária essa obrigação inexiste (embora tenha existido o fato gerador). São agraciados pela Constituição Federal com este favor fiscal entes federativos (patrimônio, renda e serviços), templos, partidos políticos (sempre...), sindicatos de trabalhadores, instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos, livros, jornais, periódicos (e papel destinado à sua impressão), produtos para o exterior (IPI), pequenas glebas de subsistências (ITR), bens e serviços para exportação (ICMS), entre outros. Logo, não é o nosso caso!;
4. Incentivo fiscal: alcançam as obrigações tributárias (ou seja, existe a necessidade do pagamento do imposto!), visam a reduzir a prestação tributária (o pagamento em si do tributo) objetivando fomento geral, regional ou setorial, mas sempre em busca do bem comum. Portanto, o incentivo fiscal - que é nossa história aqui - exige uma promoção do bem comum, ou seja, o contribuinte está obrigado junto ao Estado (com "e" maiúsculo mesmo!) a dar uma contrapartida em favor da sociedade (gerar empregos, ampliar a produção, o comércio internacional e a prestação de serviços, incentivar atividades sociais ou culturais etc.). Atribuído por Lei Ordinária, o incentivo fiscal libera o contribuinte de pagar parte ou totalmente um tributo devido. Alguns exemplos de incentivos fiscais: desenvolvimento da indústria petrolífera das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; licença-maternidade; exportações; TI; indústria automotiva; TV Digital; computadores para todos os alunos brasileiros; pesquisas científicas e tecnológicas; programas de ensino; fundos dos direitos da criança e do adolescente; da cultura, audiovisual e esportes, que é o que nos interesse nesse artigo.
5. Renúncia fiscal: é quando um agente com competência tributária (União, estado, DF ou município) renuncia, abre mão, de parte ou da totalidade de um tributo a que tem direito. Também é evidente que esse é o objeto de nossa reflexão neste texto!
O Estado fiscaliza, incentiva e planeja o domínio econômico, sempre limitado - teoricamente - pela livre iniciativa e pela não-intervenção estatal. É nesse sentido que a gente vê, toda hora, o governo federal aumentar (e, infelizmente, com bem menos frequência diminuir!!!) alguns tributos: IPI e IOF são os campeões, toda hora o governo mexe nesses impostos. Isso é incentivo fiscal na veia e garante à administração pública fomentar ou limitar um determinado segmento, sempre com vista a um benefício social, embora nem sempre seja tão fácil pra nós vermos ou compreendermos os benefícios, mas em geral há.
O que é, afinal, lei de incentivo à cultura, ao audiovisual e ao esporte através de renúncia fiscal? Ora, nada mais é do que a empresa pagar seus tributos normalmente, reservando, contudo, uma fração deste pagamento para uma iniciativa cultural ou esportiva com que se identifique. Ou seja, sem incentivo (e, consequentemente, SEM renúncia fiscal) a empresa vai, por exemplo, desembolsar R$100 de imposto de renda. Já no modelo utilizando o incentivo fiscal (e COM renúncia fiscal, portanto) a empresa continua desembolsando os mesmos R$100 reais, mas paga de tributo (ao Governo) R$96 e remaneja R$4 para gastar com um(ns) projeto(s) cultural(is), por exemplo. Pode parecer pouco, quando a gente reflete sobre cem reais. Mas imagina empresas que pagam milhões – e às vezes bilhões – em tributos...
Então pergunto por que raios as empresas não investem em suas marcas divulgando-as através de associações positivas junto aos seus públicos de interesse. E sabe o que é melhor, algumas leis ainda permitem outro tipo de apoio, que não por renúncia fiscal, mas cuja despesa não-operacional poderá ser abatida do tributo a pagar, ou seja, diminui o lucro, diminui o que se tem a pagar. Em tempo só pode fazer uso da Lei Rouanet (a principal lei de incentivo à cultura no país) a organização tributada pelo lucro real (a luta para incluir as empresas tributadas pelo lucro presumido é grande, mas ainda infrutífera).

Outras leis têm outras limitações ou exigências dependendo da competência tributária. Mas para cada caso, há uma possibilidade de investimento, como no caso do pé cansado e seu chinelo. Outro detalhe bastante relevante para os mais abastados é que (quase) tudo que se fala sobre leis de incentivo à cultura para pessoa jurídica, via renúncia fiscal, também vale (em uma medida ou em outra) para pessoa física. Ou seja, aquela tia viúva que não sabe o que fazer com a fortuna do de cujus, já tem bom destino a dar ao imposto que deve...
Então é um favor da Lei para artistas e desportistas? Não, não é um favor. Essa seria uma visão simplista. É a compreensão do Estado de que Ele mesmo não é capaz de atuar em todas as áreas sociais com eficiência e eficácia, dando assim à iniciativa privada a possibilidade de atuar em segmentos cujo próprio Estado é paquidérmico demais ou, ainda, não tem acurácia necessária para atuar com qualidade, global ou localmente.
Cada lei tem sua peculiaridade e não vamos discuti-las aqui. Não porque o tema seja árido, mas porque não interessa tanto ao patrocinador. Vou, entretanto, dismitificar 2 questões comuns a todas as leis. Muita gente diz que não investe em leis de fomento à cultura e ao esporte porque tem medo de o fiscal bater à sua porta para fazer uma devassa nas contas: MITO, balela, ignorância e até um quê de maldade. Primeiro porque quem usa leis de incentivo não paga menos ou mais tributos; depois porque o fiscal também vê a marca da organização no comercial de TV, no anúncio da revista, no spot de rádio e nas ações que a empresa investe em comunicação. E, finalmente, empresas estarão sempre na mira de fiscais e se não tiverem o que temer, não têm motivos para não abrir suas portas. Não é a exposição de sua marca num cartaz ou numa matéria de TV que vai fazer o fiscal sair correndo atrás dos seus livros contábeis.
O outro mito é que para utilizar as leis de incentivo é necessário saber muito sobre tributos, finanças, contabilidade etc. Essa é, talvez, a pior invenção: o patrocinador não tem o MENOR trabalho e não onera em NADA o seu esforço contábil. Muito superficialmente – mas nada distante da realidade – ele vai anexar um recibo (sim, um recibo!), fornecido pelo patrocinado, aos documentos que comprovam o pagamento do tributo devido.
E como faço para investir em cultura e esporte? Cada lei tem uma estrutura e uma sempre se diferencia da outra (sim, é um emaranhado de leis federais, estaduais e municipais - nada é perfeito!). Como regra geral, a excelente notícia é que o patrocinador não precisa fazer rigorosamente nada de diferente em sua rotina fiscal. Todo o ônus de prestação de conta e habilitação de um projeto para se tornar patrocinável é do agente cultural ou do agente desportista. Isto é, a companhia paga os R$96 para o fisco e R$4 para o proponente cultural, que lhe devolverá como contrapartida fiscal um Recibo de Mecenato, para ficar como exemplo apenas a Lei Rouanet (cujo tributo renunciado é o Imposto de Renda).

A empresa demonstra que pagou os R$100 que devia de impostos mostrando o comprovante do pagamento dos R$96 aos cofres públicos e o Recibo de Mecenato no valor de R$4, somando os R$100 devidos. Simples assim e sem dor. Repetindo bônus à companhia patrocinadora, ônus ao proponente patrocinado. (P. S. Como disse, não me preocupei aqui com as alíquotas das leis, os exemplos numéricos são puramente ilustrativos - há na Lei Rouanet diversas possibilidades de se restituir todo ou parte do que é renunciável, dependendo do que é patrocinado!).
Para habilitar um projeto à captação de recursos, o preposto deverá PRIMEIRO inscrevê-lo e aprová-lo no âmbito da lei que vai usufruir no Ministério da Cultura (para a Lei Rouanet), no Ministério dos Esportes (para a Lei de Incentivo aos Esportes), Ancine (para a Lei do Audiovisual), para a Secretaria Municipal de Cultura (para os municípios que incentivam sua cultura utilizando o ISS e/ou IPTU) e para a Secretaria Estadual de Cultura (para os estados que utilizam o ICMS como forma de fomentar a arte em suas praças). Em tempo: há mais uma pilha de leis de incentivo fiscal (ao Idoso, à Criança, ao Trabalhador etc. que também podem ser usadas como ferramentas de comunicação...).
A Lei do Audiovisual é um pouco diferente porque (além do incentivo fiscal) utiliza os Certificados de Investimento Audiovisual (cotas representativas de direitos de comercialização, de exibição, de distribuição e de infraestrutura técnica de obras audiovisuais emitidas, distribuídas e registradas na Comissão de Valores Mobiliários). O patrocinador vira sócio-investidor da iniciativa e ainda pode, até, lucrar com a ação (imagina quanto alguns filmes nacionais recordistas de bilheteria deram de lucro aos seus investidores, hem, Capitão Nascimento?); neste caso, a habilitação de um projeto se dá através da inscrição da proposta na Ancine (e CVM) pelo proponente. Agora você, leitor, imagine além de ter divulgação em massa de seus valores e da sua marca (através de renúncia fiscal, parcial ou integralmente), ainda recebe por isso caso o filme seja sucesso de público. Não custa reiterar todo o trâmite é feito pelo produtor. O ÔNUS É DELE, O BÔNUS, SEU, ADMINISTRADOR.
Voltando ao caso da Lei Rouanet (que pode ser utilizada para todo e qualquer tipo de ação cultural teatro, livro, restauração, curta-metragem, exposição etc.), o ordenamento jurídico ainda reza que 10% do produto cultural são do patrocinador. Quer dizer, ALÉM da empresa se beneficiar com a divulgação – voluntária e involuntária – de sua marca junto à ação, AINDA recebe 10% das apresentações da peça teatral (que poderá ser oferecida a clientes, fornecedores, colaboradores etc.), dos livros (brinde de luxo de fim de ano), DVDs (de um curta ou um documentário para oferecer como lembrança) e tudo mais que a criatividade permitir, sempre dentro dos limites legais, evidentemente (sim, porque tem uns espertinhos que oferecem projetos às empresas pensando exatamente nestes 10%, só que transformam 10% em 90%, ou seja, a empresa, também espertinha, beneficia-se da renúncia fiscal para uso próprio e não para o fomento da cultura para o cidadão – isso é ILEGAL, não caia nessa!). As outras leis também têm contrapartidas em favor do patrocinador. Para facilitar a vida do empresário, a Lei ainda exige um plano de mídia ao produtor – claro além da marca do patrocinador, o projeto também carrega a do governo! Ou seja, todo mundo ganha.
Caro administrador, o uso de leis de incentivo é bom para você administrador de marketing, que vê a marca da sua companhia divulgada através de associações de alta performance; para você administrador financeiro, que poderá dar uma finalidade particular à parte dos tributos pagos; para você administrador de recursos humanos, que verá seu público interno usufruir descontos e apresentações exclusivas e para você administrador-presidente, que engordará o valor de sua organização, beneficiando acionistas e demais públicos interessados. É bom para a sociedade, que recebe de volta benfeitorias em forma de iniciativas artísticas e de lazer (além da contrapartida social, assunto explorado na terceira parte deste artigo). É bom para o governo, que despende menos energia – e dinheiro – tendo de fomentar cultura e esporte. É bom para o DESENVOLVIMENTO do Brasil.
Qual organização não quer ver no cartaz de um espetáculo de sucesso na fachada de um shopping importante sua marca bem aplicada/exposta/divulgada? Qual empresa não vai sorrir com o jogador fazendo aquele golaço e ostentando o peito com seu logotipo? Ou qual companhia não vai registrar em seu balanço social que patrocinou uma equipe paraolímpica, catalisando o valor de suas ações, através da promoção social (vamos falar mais de balanço social na segunda parte deste artigo)?
Para finalizar com chave de ouro, vamos brincar com 2 números...
§  primeiro o que foi arrecadado de IR pelo lucro real em 2010 R$57,576 bilhões. Imaginemos que TODAS as empresas tributadas pelo lucro real patrocinassem uma ação cultural através da Lei Rouanet (estou excluindo esporte e demais leis para cultura só para fazer contas, ok?) teríamos a impressionante cifra de R$2.303.040.000 [4% do imposto devido, segundo o art. 18, da referida lei nº 8.313 (23/12/91), para projetos especiais (que englobam artes cênicas; livros; música erudita/instrumental; exposições; doações de acervos para bibliotecas públicas, museus, arquivos públicos e cinematecas e treinamento de pessoal e aquisição de equipamentos para a manutenção desses acervos; produção de obras cinematográficas e videofonográficas de curta e média metragem e preservação e difusão do acervo audiovisual; preservação do patrimônio cultural e construção/manutenção de salas de cinema e teatro). É dinheiro pra badalar a sua marca durante as próximas 5 gerações de presidentes da sua empresa!]. Vamos lá, agora só mais um exercício de criatividade: que orçamento publicitário pode alcançar a quantia de mais de 2bi e 300mi?
§  o 2º número é tão cruel quanto esse: também em 2010, nosso país deixou de arrecadar 144 bilhões em benefícios fiscais (de toda sorte) e, na esfera federal, a renúncia fiscal em cultura foi de $1.438.165.327,05, traduzindo o economês, 0,99% do que foi incentivado no país foi para cultura (nível federal, repito). Se, apenas com o imposto de renda, pudéssemos estimular o empresariado a investir em cultura, essa renúncia poderia praticamente dobrar em favor da cultura!
Se você terminar esta parte do artigo achando que não tinha a menor ideia dessas possibilidades, não se envergonhe: faculdades de administração, direito, contabilidade, comunicação e marketing deveriam se preocupar, de fato, em formar profissionais que conhecessem o que a Lei pode fornecer como vantagens competitivas! Há muita coisa que podemos fazer pelas nossas organizações através do conhecimento das leis do nosso país.
Semana que vem responderemos à pergunta como esse negócio de incentivar a cultura e o esporte vai beneficiar a imagem da minha empresa. Até lá e obrigado por ter chegado até aqui.

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