quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Novos Talentos? Marina Negri = professora da ECA-USP conversa sobre Ressaca Criativa na Propaganda

Os últimos cinco anos têm sido provocadores com a Publicidade e Propaganda mundial e, em particular, com as agências e profissionais brasileiros. Redes Sociais, Geração Y e transformações intensas na forma de propagar e publicar informação, jogaram os criativos contra o muro da mesmice das ideias óbvias. O maior perigo é que esta tendência já se encontre nas salas de aula e na formação dos publicitários do futuro. Ou será que não?





Na tentativa de encontrar algumas respostas para este dilema, o AGE foi conversar com a professora Marina A. E. Negri, autora do livro "Contribuições da Língua Portuguesa para a Redação Publicitária" (2010,Ed. Cengage). Com passagem pelas agências Leo Burnett, J. W. Thompson e Norton Publicis e Mestre em Comunicação e Mercado pela Fundação Cásper Líbero, Marina é profunda conhecedora de um assunto que é colocado em debate, todos os dias, na sala de aula: a criatividade acabou? Leia e descubra.



AGE.: Olá, professora. O AGE agradece a sua presença neste papo. Para começar, quais as diferenças da propaganda do séc. XXI em comparação com o período passado? O que mudou?



Marina: O prazer é todo meu. Penso que existem grandes diferenças entre a forma criativa da Propaganda e a Publicidade que se instaura agora e o modelo vigente no século XX, por exemplo, para formularmos uma analogia mais atualizada.



Para início de conversa, a migração do computador da esfera corporativa para ingresso proliferado na esfera social foi um evento divisor de águas, que revolucionou desde o organograma das empresas, os métodos de trabalho e os processos de criação de forma avassaladora. Por conta dos inúmeros recursos gráficos disponibilizados pela informatização do sistema, a retórica criativa passou a ser vinculada principalmente às imagens digitais, e praticamente tiveram o texto sucateado dos anúncios em qualquer mídia. Os criadores publicitários exorbitaram na utilização desse formato, e uma das conseqüências dessa hegemonização e homogeneização imagética foi a aparência extremamente similar das peças veiculadas, e a conseqüente confusão de marcas por parte do consumidor.



Nas décadas de 70, víamos o exato contrário: os anúncios tinham nos textos seu leit motiv, sua força comunicativa maior, os redatores eram de excelente qualidade, talvez menos estelares, mais envolvidos com o trabalho, e as correlações que faziam mostravam-se bem mais inteligentes do que as que vemos agora.



Se recuarmos ao início do século XX, as diferenças se imporiam bem mais flagrantemente, já que escritores e literatos como Bastos Tigre, Monteiro Lobato e Orígenes Lessa faziam Redação Publicitária para engrossar seu orçamento doméstico. O arsenal cultural deles era bem nutrido, e isso era vertido nas peças que criavam.



Porém, há outros fatores, que combinados, fragilizaram a comunicação criativa publicitária dos dias de hoje, a meu ver, como, por exemplo, a má formação dos jovens publicitários, com raras exceções; o afastamento do hábito da leitura de qualquer natureza; as sérias dificuldades com a escrita e a indisposição para a pesquisa em suportes extra-telas - marcas das novas gerações.



AGE.: Um dos grandes motivos do aumento pela busca da Propaganda e Publicidade nos vestibulares era a ilusão de ser uma profissão que dá status e ganho financeiro rápido. O estudante de PP ainda pensa assim?



M.N.: Faço apenas uma breve inclusão em sua pergunta: um dos grandes motivos pela busca preferencial da carreira publicitária era também a impressão [errônea] de que se tratava de uma profissão fácil de ser exercida, agradável e pouco exigente de grandes habilidades e competências, sendo, assim, descompromissada da seriedade própria do mundo corporativo, em geral.



Esse é um grande erro de percepção, e a vida cotidiana no ambiente das Agências de Publicidade demonstra isso rapidamente. O publicitário comprometido precisa ser não apenas um ‘antenado’, mas alguém muito bem formado e informado, em constante reciclagem, características que se esperam em qualquer profissão.



O aluno de Publicidade & Propaganda atual guarda ainda resquícios dessa imagem ilusória e equivocada da função publicitária, mas talvez em grau um pouco menor do que existia na massa estudantil das décadas de 80 e 90, por exemplo.



AGE.: Uma discussão mundial entre profissionais coloca em pauta a falta de criatividade nas campanhas atuais e os frequentes erros estratégicos nos planos de Marketing. Estamos menos criativos?



M.N.: Imagino que sim. Os resultados equalizados e bem aquém das expectativas das campanhas atuais deixam esse ponto-de-vista demonstrado.



Havemos de acrescentar um agravante: embora pífios em termos de presença criativa, tais resultados são enormemente festejados por grande parte dos publicitários emergentes ou não, possivelmente deslumbrados com a projeção que a carreira é capaz de lhes conferir.



No entanto, se observada sob um plano teórico mediano, a maior parte das peças que se tornam premiadas não passam de anacolutos verbo-visuais. Isso se estende aos planos de Marketing, vide o que ocorreu recentemente com uma marca consagrada, a Pepsi, atropelada por planners afoitos.



Existe uma espécie de ressaca criativa pontificando no universo publicitário. Na opinião de muitos, isso se deve à entrada do aparato digital nos processos, evento esse ainda em fase de digestão social. Em minha opinião, isso se deve, sim, a esse fator, e, em uma visão macroscópica, vincula-se também a uma conjunção de outros, como o culto à velocidade, à instantaneidade, à transitoriedade, a uma sensação de que tudo é volátil e pode ser substituído imediatamente. Esse cenário pode influenciar nas responsabilidades individuais, portanto, e fazer decair o panorama.





Os estudantes têm a web para fornecer-lhes informações multifacetadas, mas recorrem aos professores para melhor assimilação e aplicação delas. - Marina A. E. Negri



AGE.: As Redes Sociais mudaram o perfil do mercado publicitário e a chamada "Geração Y" trouxe novos desafios para conquistar o consumidor. As faculdades e seus professores estão preparados para ensinar os profissionais do futuro?



M.N.: O mundo acadêmico prepara-se constantemente para atender às necessidades dos profissionais do futuro. Trata-se de um exercício incessante e diário. Lembro apenas que as redes sociais, em dados de pesquisa recente, começaram a perder força entre a Geração Y, a qual se entedia facilmente com qualquer coisa. Índices apontam que esses jovens já buscam novos interesses que, no caso, substituiriam a febre das redes sociais.



O que nós, docentes, fazemos é um permanente alinhamento com os interesses e idiossincrasias dessa geração, sem perder o foco de cada uma das disciplinas ministradas. Não somos mais os únicos provedores de informação na vida deles, somos provedores de conhecimento, de metodologias de trabalho, avaliadores de performances, em alguma instância. Os estudantes têm a web para fornecer-lhes informações multifacetadas, mas recorrem aos professores para melhor assimilação e aplicação delas. Creio que ainda temos um papel a ser exercido na vida deles.



AGE.: Na sua opinião, o que não pode faltar na estante de um profissional de propaganda? Quais sãos os seus livros, filmes e autores preferidos que poderiam servir como referência para a profissão?



M.N.: É claro que não podemos prescindir de conhecimentos confiáveis de atualidades e das realidades brasileira e mundial, em algum grau. Eu nem discuto isso com meus alunos, apenas coloco esse pré-requisito como fundamento para fruição de conteúdos quaisquer. Na estante particular de um profissional da Publicidade não podem faltar os clássicos da Literatura e também da Música, do Teatro, do Cinema.



Fora essas coletâneas, Dicionários e Gramáticas atualizados precisam ser objetos de consulta familiares não apenas a Redatores, mas a todo e qualquer profissional. Meus livros preferidos são muitos, mas vou filtrar as predileções para vocês (veja a lista na fanpage do AGE no Facebook). São meus escolhidos porque se percebe ou originalidade na forma, ou presença de espírito na abordagem de temas.

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